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A resposta de um comissário de voo a uma publicação do UOL sobre sua profissão

Imagem apenas ilustrativa – Fonte: KLM

De uma maneira uni-focal, o site UOL fez uma publicação em que alimenta o estereótipo dos comissários de voo, colocando-os numa posição mais despreocupada do que profissional. Para ampliar o foco deste tema, o AEROIN publica um contraponto, feito por um comissário brasileiro, com bastante tempo de profissão e filho de comissário.

A opinião está abaixo, na íntegra e em primeira pessoa. Mas antes de iniciar com o relato, é importante entender que, em qualquer setor da sociedade ou ambiente de trabalho, há os mais variados tipos de comportamento, desde a turma que não abre mão de uma festa, os solteiros convictos, os puladores de cerca e até aqueles que só estão ali só para trabalhar e ganhar seu dinheiro.

Sabendo que generalizar ou ouvir apenas um lado não é opção, o AEROIN compartilha um contraponto à matéria do UOL.

A opinião de um comissário

A profissão de comissário de voo, assim como a de piloto de avião, é cercada de mitos e preconceitos do grande público. Pelo fato de viverem em ambientes que muitos acham glamorosos, como aeroportos e hotéis, muitas pessoas acreditam que eles têm uma vida fácil, de viagens e festas, o que é uma grande ilusão.

Um post na conta do Instagram do @uoloficial repercutiu muito negativamente no meio dos comissários de voo e eu, tripulante de cabine há mais de 10 anos, gostaria de reagir ao texto para quebrar algumas crenças importantes para aqueles que não conhecem os bastidores.

O primeiro ponto que quero deixar claro é que o meu repúdio é voltado basicamente para o post no Instagram. A jornalista que assina a “newsletter”, Thaís Oyama, apenas repassa a visão de um chefe de cabine que ela chama de Bob, supostamente com 28 anos de profissão.

Lendo o texto inteiro, qualquer leitor consegue entender que o Bob, se realmente for real, é um profissional com valores desalinhados. Isso fica claro principalmente quando ele diz que bebe durante o voo, o que coloca todos os passageiros em risco, e que flerta e se relaciona com passageiros que ele mesmo explicita que são, em sua maioria, casados.

Profissionais como o Bob existem em todas as profissões, em todos os mercados de trabalho. Bob pode ser médico, advogado, juiz, promotor, diretor de empresa, professor, político, enfim, pode trabalhar em qualquer meio. Mas em todas essas profissões, assim como na profissão de comissário de bordo, o que mais se vê é o oposto do Bob, com pessoas profissionais, que dão valor à profissão e agem de acordo com valores coletivos, respeitando seus colegas, clientes e, principalmente, sua responsabilidade na sua função a bordo.

Como disse no início do texto, sou comissário há 10 anos. Meu pai foi comissário. Fui nascido e criado no meio de excelentes pessoas, excelentes profissionais que me inspiraram a buscar meu sonho de me tornar um tripulante de cabine. Durante minha infância, adolescência e na minha experiência exercendo a profissão, nunca conheci uma pessoa como Bob, mostrando que profissionais como ele são extremamente raros no meio da aviação.

Quem apenas lê o post do Instagram que promove a “newsletter” encontra uma generalização dessa profissão que já carrega uma injusta carga de preconceitos. Por muitas vezes, isso destrói sonhos e relacionamentos por uma visão extremamente distorcia da realidade que vivemos.

Vou, a partir de agora, repercutir trechos colocados no post do UOL e comentá-los.

“De sexo a bebedeira, como é a vida louca de comissários de bordo”.

Primeiramente, esse é o título. Claramente um chamariz ao clique, uma forma de enganar o leitor para que ele acesse o conteúdo e veja que aquele título não corresponde ao conteúdo, pois o texto se refere à “vida louca” de apenas um comissário de bordo, e não de todos, como o título no plural sugere.

“Segundo Bob, sexo entre passageiros e comissários é comum”.

Mentira! É comum para profissionais dissimulados que não respeitam o brevê que carregam no peito. Eu, em 10 anos de profissão, nunca presenciei e nem fiquei sabendo de comissários que se relacionaram com passageiros durante um voo. Acontece de se cruzarem depois, em um bar ou algo assim, se reconhecerem e passarem a conversar, mas interações durante o voo, nunca.

Estou dizendo que não acontece? Não. Mas não é verdade que é comum.

Importante deixar claro que nós comissários, assim como os pilotos, temos direito a, no mínimo, 12 horas de descanso entre uma jornada de trabalho e outra. É como o trabalhador comum, que termina seu dia de trabalho, vai para casa e descansa até o dia seguinte. A nossa diferença é que vamos para um hotel, em lugares diversos.

Portanto, assim como todos os trabalhadores, temos o direito, se assim quisermos, de sair, tomar uns drinks, curtir um bar, uma balada, ir para praia, ou o que quer que seja. Apenas temos que ter atenção especial ao nosso descanso, e não ingerir nada de álcool no período de 8 horas antes da decolagem pela segurança do voo.

“Carta de alforria”

Quanto à “carta de alforria”, essa é uma grande ilusão que atrai pessoas para trabalhar na aviação e que, por frustração, se tornam profissionais como o Bob. Um tripulante não sai de casa para viajar, ele sai de casa para trabalhar. Muitas vezes, nos pernoites mais curtos, vamos a um local e não conseguimos nem sair do quarto, e sim apenas fazer uma refeição, dormir, acordar e voltar para o avião. E isso aqui não é uma reclamação, afinal estamos ali para trabalhar.

Claro que todos nós gostamos de pernoites mais longos, onde podemos ir para a praia, para a piscina do hotel e passear com a tripulação, mas quando não é possível, o tripulante profissional se veste do sorriso no rosto, respeita seu descanso e vai trabalhar grato pela profissão maravilhosa que conquistou com o seu esforço.

Enfim, para encerrar esse contraponto ao portal UOL, quero deixar claro que os preconceitos que cercam nossa profissão são muito nocivos aos tripulantes.

Muitas pessoas têm que escolher entre longos relacionamentos e a realização de seu sonho de entrar para a profissão. Pessoas trabalhadoras, inteligentes e independentes, que acabam não conseguindo engatar um relacionamento duradouro e saudável por falácias como as espalhadas por profissionais como Bob, que repito, é raridade em nosso meio.

Um comissário profissional é perito em segurança de voo, sabe tudo o que está acontecendo em sua cabine, tem o pressentimento de fatos estranhos antes que aconteçam. Quando aparecem passageiros mais exigentes, os encantamos através de um sorriso no rosto e de flexibilidade comunicativa.

Um comissário profissional cuida de seus passageiros com muito carinho, pois não sabe o esforço que ele fez para chegar até ali, se trabalhou a vida inteira para aquilo, ou se viaja toda a semana. Não sabe se ele está viajando em lua-de-mel, ou para enterrar um ente querido. Se está saindo de férias, ou se está ali porque foi demitido ou porque passou por um divórcio. O carinho e atenção é para todos, para gerar uma experiência única, prezando pela segurança do voo e pelo bem-estar dos clientes.

Um comissário profissional aproveita seus pernoites da forma como desejar. Cada um com seu comportamento e vontade. Vai à praia, à academia. Se gostar, vai para a balada, toma seus drinks. Ou apenas descansa, lê, vê filmes. No final, todos sabem que seu repouso é prioridade e que tem que estar muito alerta no dia seguinte para cuidar da segurança de sua cabine de voo.

Tenho muito orgulho de ser comissário, de ter nascido no meio de comissários e, sempre que puder e tiver voz, vou contrapor ao máximo quem coloca em cheque nossa reputação de maneira meramente generalista.

Por Cláudio Brito

Claudio Brito
Apaixonado por aviação desde o berço como filho de comissário de bordo, realizou o sonho de criança se tornando comissário em 2011 e leva a experiência de quase 10 anos no mercado da aviação. Formado Trainer em Programação Neurolinguística, conseguiu unir suas duas paixões, comunicação e aviação.