Airbus A320 da easyJet esteve a 1,3 segundo de uma tragédia em Lisboa

Um voo da easyJet com 167 passageiros e destino ao Reino Unido esteve a 1,3 segundo de um desastre, devido a um erro durante o cálculo de performance de decolagem do Airbus A320. É exatamente essa conclusão que traz o relatório oficial Air Accidents Investigation Bureau (AAIB) do Reino Unido.

Que voo foi esse

O grave incidente aconteceu no dia 16 de setembro de 2019 no aeroporto internacional Humberto Delgado, em Lisboa, com o Airbus A320 de matrícula G-EZWE da easyJet. Segundo a programação do dia, o voo partiria próximo das 20h00 para a cidade de Manchester. A bordo, 167 passageiros e 6 tripulantes.

Tudo havia começado normal naquele dia, o G-EZWE chegou ao aeroporto de Lisboa às 18h25, tendo vindo do aeroporto de Manchester. Os passageiros foram desembarcados, e a tripulação iniciou o processo de preparação da aeronave para seu voo de volta.

Foi então que algo mudou. Durante os preparativos pré-voo, a AAIB identificou que ambos os pilotos foram submetidos a inúmeras interrupções. Isso incluía detalhes de um passageiro doente na parte traseira da aeronave, uma mudança nas necessidades de combustível, uma confusão sobre passageiros liberados do terminal e alteração tardia dos dados de embarque.

Cálculos de decolagem errados

Em paralelo a esse cenário, os dois experientes pilotos (o comandante tinha 57 anos e 16.000 horas de voo) seguiam com seus cálculos de performance de decolagem. Embora tivessem feito o cruzamento nos dados, em algum momento, eles cometeram um grave erro.

Eles sabiam que iriam decolar a intersecção U5 (ver imagem abaixo), o que é praxe em Lisboa para voos de aeronaves menores em rotas relativamente curtas.

No entanto, para calcular o desempenho para a saída, a tripulação acreditou ter selecionado a intersecção S1 da pista 21 (à frente da U5 e, portanto com alguma margem de segurança), mas, na verdade, selecionaram o comprimento total da pista (S4). Isso significou que eles usaram no cálculo uma disponibilidade de pista 1.395 metros maior do que o que realmente teriam decolando da intersecção U5.

Esse erro fez com que, durante a corrida de decolagem, a configuração do avião em termos de potência do motor e V1 (velocidade de decisão) fossem incompatíveis com a curta distância que eles teriam disponível para decolar. Segundo o AAIB, o avião saiu do chão antes da pista acabar “por muita sorte” de todos naquele dia e tudo poderia ter acabado num grande desastre.

Isso porque, segundo o relatório do AAIB, a aeronave atingiu a V1 e sem seguida a rotate (velocidade em que o piloto inclina o nariz da aeronave para cima e o jato começa a sair do chão), quando faltavam apenas 110 metros de pista. À velocidade em que estavam, esse trecho de pista seria percorrido em apenas 1,3 segundos.

Uma câmera de segurança flagrou o momento da decolagem. Note na imagem abaixo o trecho onde o avião atinge a V1, logo à frente estão as luzes vermelhas da cabeceira da pista.

A AAIB destaca que, mesmo que o piloto tivesse optado por abortar a decolagem, ele não teria espaço disponível para parar e fatalmente ultrapassaria o limite da pista para cair num pequeno barranco após a cabeceira.

De acordo com o relatório, os pilotos perceberam que havia algo errado ao verem as luzes vermelhas e brancas alternadas dos últimos 900m da pista, mas não selecionaram a opção TOGA e os pilotos não haviam feito um cross-check com a carta de solo do aeroporto.

easyJet diz que tudo foi normal

Indagada pelo SkyNews, a easyJet afirmou que “os pilotos seguiram os procedimentos normais para a decolagem e o voo decolou sem incidentes. A segurança de nossos passageiros e tripulantes é sempre nossa maior prioridade e sempre tomaremos medidas para garantir que manteremos os mais altos padrões de segurança. Continuamos a trabalhar com parceiros da indústria para revisar possíveis desenvolvimentos técnicos, incluindo atualizações de software mencionadas no relatório sobre o qual já tomamos medidas, para ajudar a prevenir a recorrência desses tipos de eventos”.

Ou seja, aquela mesma conversa comercial de sempre, embora o incidente tenha sido classificado como muito grave pelo relatório da AAIB, que você pode ler na íntegra aqui.

As recomendações

Como incidentes semelhantes ocorreram anteriormente, a AAIB informou que o Aeroporto de Lisboa renomeou as taxiways para mitigar o risco de confusões como a dos pilotos da easyJet. Além disso, a easyJet mudou para o software de desempenho Flysmart L6 que agora mostra à tripulação uma imagem pictórica do ponto de decolagem usado para o cálculo.

O menu de seleção do ponto de decolagem também foi alterado, deixando claro para as tripulações que este a indicação S serviria apenas ao comprimento total da Pista 21.

No âmbito de protocolos internacionais, esta investigação foi delegada à AAIB pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) de Portugal.

Um grande susto, mas que continuamos ver ao redor do mundo, como no caso da decolagem desse avião russo Ilyushin IL-62M, que somente levantou voo no último segundo, antes do final da pista.

Carlos Ferreira
Carlos Ferreira
Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.

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