Assusta saber que pilotos do Brasil afirmam que seus atos devem ser ocultados da ANAC

Imagem meramente ilustrativa – Fonte: Erik Brouwer / CC BY-NC-ND 2.0, via Flickr

Recentemente, publicamos no AEROIN uma matéria em que apresentávamos um bonito vídeo de uma “decolagem americana” ocorrida em um aeroporto brasileiro, um procedimento em que o piloto, logo após sair do solo na decolagem, recolhe o trem de pouso e mantém a aeronave a baixa altura até o final da pista antes de efetuar sua subida.

Tendo o vídeo sido publicado por um canal terceiro no YouTube, e apresentando nele a matrícula de registro da aeronave, aproveitamos para apresentar aos leitores curiosidades sobre o equipamento em questão, como o modelo, o número de série e o ano de fabricação, que são dados públicos disponíveis para consulta no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB) e que os entusiastas da aviação gostam de saber.

Adicionalmente, sem julgar a decolagem do vídeo como sendo correta ou incorreta, apresentamos diferentes pontos de vista que as pessoas costumam ter sobre esse tipo de procedimento, como o fato de que algumas pessoas elogiam a perícia do piloto aos comandos, enquanto outras criticam o risco de se manter a aeronave próxima ao solo quanto feito sem uma necessidade.

Uma constatação preocupante

E eis que, diante da referida matéria, uma situação trouxe à nossa equipe uma preocupante constatação sobre a mentalidade de uma parcela dos pilotos da aviação brasileira.

Vários foram os indivíduos que entraram em contato com o AEROIN, pelos diversos meios possíveis, disparando críticas sobre a matéria ter “apresentado dados que podem expor o piloto da aeronave” à Agência Reguladora da aviação, a ANAC, ou “causar a demissão do piloto por conta de a informação chegar ao proprietário da aeronave”.

Também foram feitas acusações como “é por isso [por uma matéria como essa] que a aviação brasileira não vai para a frente”, ou “é por isso que os shows aéreos de hoje não são mais como os de antigamente”, em críticas voltadas tanto à matéria quanto as fiscalizações da ANAC, mesmo com os recentes esforços da entidade em ouvir a comunidade aeronáutica e promover melhorias na aviação, como no projeto “Voo Simples”.

Alguns tentaram fazer intimidações para que a matéria fosse removida do ar pelo AEROIN, algo que vai contra nossa política e, naturalmente, não fizemos. O canal no YouTube que filmou a decolagem também foi abordado com críticas vorazes, tendo, por sua vez, cedido e removido a gravação da plataforma de vídeos.

A pergunta é: se todo o procedimento foi correto, por que tanta preocupação com a matéria? Não faz sentido. Será que havia algo de errado ali para tamanha inquietação? Não cabe a nós dizer, mas à ANAC.

Agora, imagine a bagunça que seria o mundo se cada indivíduo, ao achar que uma lei está errada, resolvesse burlá-la por não concordar. Não existe sociedade sem um mínimo de ordem.

Mentalidade que assusta

A situação assusta. Não pelas críticas em si, porque afinal as pessoas são livres para exporem suas opiniões, e muitos são os veículos de imprensa que sofrem intimidação diante de publicações dos mais variados assuntos possíveis.

Ela assusta, na verdade, porque revela uma mentalidade completamente oposta ao que se espera na aviação, um meio no qual a segurança e o atendimento às normas são essenciais para que acidentes sejam evitados. E é pior quando essas pessoas se dizem “aviadores”.

Enquanto na aviação comercial, que efetua os voos de passageiros pelas rotas aéreas do país, vemos que a maioria esmagadora dos profissionais é altamente focada em seguir procedimentos e normas conforme seus treinamentos, no segmento da aviação geral e executiva, entretanto, existe uma difusão, em uma parcela dos profissionais, da mentalidade de que ações e atitudes devem ser escondidas para que não cheguem aos olhos da Agência Reguladora ou dos proprietários das aeronaves.

Não vamos aqui generalizar. É óbvio que existe uma grande quantidade de pilotos nestes segmentos que faz tudo como deve ser feito, que preza pelas normas e pela segurança de voo, portanto, o conteúdo deste texto não é voltado a esta parcela dos profissionais.

Também não estamos aqui fazendo uma crítica direcionada a uma ou outra pessoa em específico. Como explicado acima, o que foi preocupante tomar conhecimento é que foram vários, e não apenas um, os pilotos cujas críticas e intimidações se assemelham às descritas, e assim revelam este pensamento ruim sobre um aspecto tão sério.

Muitos foram os acidentes e incidentes na história da aviação, acompanhados de suas respectivas e extensas investigações, que geraram as normas hoje em vigor para evitar que voltem a acontecer. Portanto, esconder uma ação ou atitude, porque ela resultará em consequências, é um comportamento grave.

No AEROIN, esperamos que pensamentos e atitudes como esses sejam cada vez menos frequentes e que continuem sendo de uma minoria. Além disso, seguimos apoiando e interagindo com a ANAC para contribuir para que a segurança seja a prioridade sempre.

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Carlos Ferreira
Carlos Ferreira
Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.

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