Um vídeo inusitado tem circulado nas redes sociais nos últimos dias. Nele, um comandante tomou de maneira abrupta o controle de um Airbus para evitar um pouso duro do copiloto.

Infelizmente o pouso duro ainda aconteceu, mas nada que comprometesse a estrutura do avião. O fato aconteceu no último dia 12 de fevereiro com um Airbus A319 da low-cost britânica Easyjet.
No vídeo abaixo (espere carregar), é possível ver o copiloto realizando o pouso, quando a aproximadamente 30 pés (~10 metros) de altura, ele decide tirar toda a potência remanescente do motor, trazendo a manete de potência para trás.
Ao ver que isso causaria um pouso muito duro, o comandante rapidamente interferiu, de maneira abrupta, empurrando a manete toda a frente para recuperar a potência e evitar que o avião “afundasse” sem sustentação.
Mas já era tarde demais e o Airbus acabou dando uma “pancada” bastante forte na pista, o que é comumente chamado de “catrapo” no meio aeronáutico. Logo após o pouso o comandante também assume o controle da aeronave e o vídeo termina.
Entendendo o que aconteceu
Na Europa, as companhias aéreas treinam seus novos copilotos em voos reais, sem passageiros, como no vídeo acima, onde um Airbus A330 da Swiss faz pousos e arremetidas em Chateauroux, na França.
Mas antes, no dia 12 de fevereiro, o Airbus A319 da easyjet de matrícula G-EZAN estava no Aeroporto de Bournemouth, pequena cidade britânica no canal da Mancha. A pista de tem 2.271 metros de comprimento, e por estar ao nível do mar, favorece o desempenho do avião e deixa a operação confortável.
Seja por inexperiência ou outro motivo, mesmo assim o copiloto ainda assim se mostrou desconfortável, resultando no vídeo que você assistiu. Conversamos com diversos pilotos de Airbus nos últimos dias, brasileiros e estrangeiros, apesar de não haver consenso, todos concordaram que houve uma ação precipitada do “novato”.
Copiloto deveria ter sido xingado?
Nos jatos da Airbus, há as chamadas de informação para a tripulação, que são chamados de callouts. Elas servem realmente para informar e aumentar a consciência situacional, tornando a operação mais segura. Outros jatos como Embraer e Boeing também possuem essa função, embora os alertas variem de fabricante para fabricante.
Eles são comandados pelo GPWS – Ground Proximity Warning System – que é o sistema de alerta de proximidade de terreno do avião. Para dar as informações aos pilotos, ele utiliza dos dados do rádio-altímetro, um equipamento que emite ondas na direção do solo e calcula a altura da aeronave em razão do tempo entre a onda refletir e voltar para o dispositivo.
No Airbus, o GPWS faz o aviso de 50, 40, 30 e 20 pés de altura. O aviso seguinte é o de “Retard”, que apesar de soar como xingamento (e ser motivo de piadas na aviação), avisa apenas que o piloto tem que “retardar” as manetes de potência, trazendo para trás, instantes antes de tocar o solo.
O Comandante Joe explica isso muito bem no vídeo acima. Ele hoje está voando o Boeing 747 na Cargolux, mas tem uma larga experiência de voo no Airbus na finada Air Berlin.
Segundo Joe e outros pilotos que conversamos, o copiloto da Easyjet veio um pouco alto na aproximação. Isto é perceptível quando o GPWS faz o aviso de 50 pés e o jato já estava sobrevoando a pista havia alguns instantes.
Apesar do A319 ter passado um pouco mais alto, não haveria problemas para o pouso. No entanto, após passar 30 pés de altura, o copiloto decide retira toda a potência remanescente, o que deveria ser feito apenas quando o GPWS grita “Retard“.

Esta antecipação de ação de redução de potência, 20 pés antes do esperado (o callout de Retard é feito a 10 pés de altura), fez com que o avião afundasse, já que não tinha mais potência para manter o voo sustentado naquela atitude e velocidade.
Foi nesse momento que o comandante tomou as “rédeas”, dando potência máxima para dar mais “energia” a aeronave, que acabou pousando de maneira dura. Em seguida o comandante assume por completo o controle do jato ao utilizar o seu sidestick do Airbus.
Isto é possível identificar, quando o avião emite o aviso sonoro de Priority Left nos últimos segundos do vídeo. Este aviso surge ao apertar o botão vermelho do sidestick por mais de 4 segundos (que desativa o piloto automático). Novamente o Comandante Joe explica em detalhes este procedimento:
Curiosidades e experiência própria
Outro ponto a se notar na gravação é que quem estava gravando o vídeo estava em pé. É possível ver o encosto do assento do observador (jumpseat) e no final do vídeo a pessoa que está gravando quase cai com o pouso duro e vai para trás da porta da cabine, que está aberta.
É um procedimento bastante incomum para não falar proibido viajar com a porta da cabine aberta. Seria uma exceção por ser um voo de treinamento sem passageiros, mas ficar em pé na porta é algo extremamente perigoso, mesmo em um pouso normal.
No AEROIN, nosso time é composto por alguns pilotos, que por diversas vezes puderam acompanhar o pouso da cabine, isto quando não estavam pilotando claro.
Uma destas oportunidades foi na Avianca Brasil, num voo para São Paulo – Guarulhos. De maneira similar ao vídeo desta reportagem, o avião estava um pouco alto, mas nada fora de série.
Reparem no vídeo abaixo que o click (barulho feito pelas manetes de potência quando são reduzidas para idle, que é o mínimo) surge entre o primeiro e segundo aviso de Retard, não após o aviso de 30 pés igual foi feito na Easyjet: