
O uso de ferramentas alternativas para rastreamento e controle de voos por controladores brasileiros foi divulgado ao público e levantou um debate.
Atualmente, no Brasil, o controle de tráfego aéreo é realizado por meio de dois tipos de radares: o primário e o secundário. No primeiro, é emitido um sinal que reflete na aeronave e retorna, fornecendo dados como posição, altitude e outros (semelhante ao que se vê em filmes de temática militar). Já no segundo, uma antena receptora capta sinais emitidos pelo avião.
Ambos os equipamentos têm custo de aquisição e manutenção relativamente alto. Hoje, no Brasil, apenas 26 das 40 terminais de controle aéreo, as chamadas TMAs – áreas de controle em torno de aeroportos movimentados, dentro ou fora das capitais – possuem radares primários e secundários.
Nas outras 14 TMAs, a maioria localizada nas regiões Norte, Nordeste e no interior do Sudeste, esse tipo de radar não está disponível, seguindo as regras do DECEA, que exige um fluxo mínimo de aeronaves na região para justificar a instalação do equipamento.
Uma reportagem do portal g1, publicada neste sábado, 22 de março, mostra que controladores brasileiros estão utilizando ativamente a plataforma FlightRadar24 para monitorar voos em aeroportos que não contam com radares.
Essa plataforma online e gratuita funciona com a tecnologia ADS-B, desenvolvida no início do século nos EUA para substituir os radares secundários. Nela, a aeronave transmite automaticamente sinais em todas as direções com informações sobre altitude, modelo do avião, velocidade e rumo, baseando-se em dados do GPS e de outros sistemas de bordo.
O custo de operação do ADS-B é muito inferior ao de outros tipos de radares, além de permitir a transmissão simultânea de um volume maior de informações. Isso possibilita, inclusive, a troca de dados entre aeronaves durante o voo, como alertas sobre formações meteorológicas adversas.
Como parte do programa NextGen da FAA, o uso do ADS-B é obrigatório nos EUA, onde radares secundários estão sendo desativados e suas informações integradas às telas dos controladores. No Brasil a presença do ADS-B em aeronaves será obrigatória a partir de 2030.
Plataformas como FlightRadar24, AirnavRadar, ADS-B Exchange e FlightAware utilizam receptores instalados por entusiastas da aviação que, a baixo custo, captam os sinais ADS-B emitidos pelos aviões e processam esses dados, disponibilizando-os em seus sites de maneira acessível. Essas informações são consideradas confiáveis e são utilizadas, inclusive, em investigações de acidentes aeronáuticos.
Nesse contexto, os controladores brasileiros têm recorrido à plataforma para aumentar a segurança, alegando se sentirem menos seguros em TMAs sem radares primários ou secundários, onde ficam “às escuras”, conforme relataram ao portal g1.
“Tenho que desenhar a trajetória de voo às cegas, construindo um cenário 3D na minha cabeça, sem saber efetivamente onde as aeronaves estão“, afirmou um controlador ao portal de notícias.
O problema em si não é a tecnologia ADS-B, mas o fato de ela não ter sido adotada oficialmente pela ANAC e pelo DECEA. Dessa forma, os controladores não têm acesso às ferramentas disponíveis na tela “comum” de radar, como a possibilidade de traçar trajetórias de voo com um clique do mouse a partir da posição da aeronave, facilitando a organização e o espaçamento entre os voos.
Por esse motivo, além de limitar o trabalho dos controladores, o uso da plataforma configura uma violação das normas internas, já que se trata de uma ferramenta não homologada – ainda que sua utilização represente um aumento da consciência situacional.
Em nota, o DECEA afirmou desconhecer essa prática por parte dos controladores militares e destacou que a comunicação é a peça fundamental no controle de voo, ressaltando que os pilotos também fazem parte do sistema e são responsáveis pela própria segurança.
“Os controladores são capacitados em ambientes simulados de última geração, treinados para lidar com cenários de tráfego aéreo tanto com radar quanto sem radar, desenvolvendo assim as habilidades necessárias para exercer suas funções técnico-operacionais nos órgãos de controle de tráfego aéreo, independentemente da presença do Sistema de Vigilância dos serviços de tráfego aéreo.“
Já a NAV Brasil, estatal criada para absorver a parte de controle de voo que antes era integrada à Infraero, afirmou seguir todas as regras de controle aéreo estabelecidas pelo DECEA e estar trabalhando na instalação de repetidores de sinais de radar em algumas terminais. Atualmente, as TMAs de Ilhéus, Teresina e Palmas já contam com essa tecnologia.
O repetidor de sinal exibe a imagem de um radar localizado em uma área próxima, permitindo que os controladores das TMAs sem radares tenham uma visão antecipada do tráfego que será inserido em sua área de responsabilidade.
Em nenhum dos posicionamentos foi mencionada uma data para integrar os dados do ADS-B aos sistemas de controle de voo – uma medida que poderia aumentar a segurança operacional a um custo reduzido, em conformidade com os padrões americanos e europeus.