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O dia em que o piloto cortou o motor errado e gerou a assustadora queda do ATR

Era 4 de fevereiro de 2015. O avião turboélice modelo ATR-72-212A da companhia aérea Transasia, de registro B-22816, executaria o voo GE-235 de Taipei Songshan para Kinmen, ambos em Taiwan. Mas o voo duraria apenas poucos instantes e protagonizaria um dos acidentes mais impressionantes já gravados em vídeo, talvez tão impressionante quando a queda do Boeing 747 da National Cargo no Afeganistão.

Acidente ATR 72 TransAsia Taiwan

Com 53 passageiros e 5 tripulantes a bordo, a aeronave partiu da pista 10 de Songshan. Instantes após a decolagem, às 10:52 no horário local, a aeronave enfrentou problemas de motor, enquanto a tripulação transmitia via rádio um alerta de “Mayday! Mayday! Engine Flame Out!”, indicando um risco iminente de acidente por consequência do desligamento de um de seus dois motores.

Em meio à situação crítica, os pilotos ainda conseguiram manter o controle do ATR e, no próximo minuto, às 10:53, sem nenhuma comunicação adicional com os controladores, a aeronave atingiu sua altitude máxima no curto voo, cerca de 1.500 pés (457 metros) acima do nível do mar.

Câmera de segurança flagrou o ATR em meio aos prédios

Mas, nos instantes seguintes, perdeu altura enquanto passava entre prédios e, afundando na condição de estol (perda de sustentação), girou à esquerda já a baixa altura. Em quase 90 graus de ângulo de inclinação, atingiu com sua asa esquerda um táxi e o viaduto da via Huangdong Boulevard, aproximadamente às 10:54.

O impressionante vídeo a seguir, gravado por uma câmera no painel de um veículo, mostra os momentos finais descritos acima:

O táxi atingido pela asa da aeronave

O turboélice impactou a água do rio Keelung, ficando de ponta cabeça no leito do rio, a cerca de 2,9 milhas náuticas (5,4 km) do final da pista 10 de onde havia decolado. 15 pessoas foram resgatadas vivas e os demais 43 ocupantes terminaram mortos, incluindo os dois pilotos, que tinham 4.914 horas e 6.922 horas totais de experiência de voo. Um instrutor com 16.121 horas totais ocupava o assento de observador no cockpit.

Equipe de resgate removendo passageiros no rio

Destroços do ATR 72 após ser removido da água

A ASC, agência de investigação de Taiwan, enviou investigadores ao local e abriu uma investigação, que contou também com a presença de dois investigadores da agência de investigação francesa BEA, que representa o país de fabricação da aeronave ATR, e outro investigador da agência canadense TSB, que representa o estado de fabricação dos motores Pratt & Whitney PW127.

Após avaliação das caixas-pretas recuperadas da aeronave acidentada, os dados de voo e gravadores de voz da cabine revelaram a seguinte cronologia:

  • A aeronave recebeu autorização de decolagem às 10:51;
  • Na subida inicial, às 10:52:38, 37 segundos depois de levantar voo, um aviso mestre foi ativado pelos sistemas da aeronave, relacionado à falha do motor direito;
  • Às 10:52:43, o motor esquerdo foi desacelerado;
  • Às 10:53:00, a equipe começou a discutir sobre o motor esquerdo ter parado;
  • Às 10:53:06, o sistema de alimentação do motor direito é acionado automaticamente pela aeronave;
  • Às 10:53:12, ocorreu um primeiro aviso de estol, que cessou às 10:53:18;
  • Às 10:53:19, a tripulação discutiu que o motor esquerdo já havia sido alimentado, o suprimento de combustível já havia sido cortado e decidiu tentar reiniciar o motor;
  • Às 10:53:21, outro aviso de estol foi ativado;
  • Às 10:53:24, a alavanca de potência foi ajustada para a posição de desligamento do combustível, resultando no desligamento do motor esquerdo;
  • Às 10:53:34, a tripulação transmitiu via rádio a mensagem “Mayday! Mayday! Engine flame out!”;
  • Várias tentativas de reiniciar os motores foram executadas sem sucesso;
  • Às 10:54:20, o motor esquerdo foi reiniciado ;
  • Às 10:54:34, um segundo aviso mestre de falha de motor foi ativado;
  • 0,4 segundo depois, os dois gravadores pararam de gravar.

Dois dias após o acidente, já no dia 6 de fevereiro de 2015, a ASC lançou uma versão em inglês do relatório inicial, detalhando ainda mais que, quando o primeiro aviso mestre foi ativado associado ao motor direito, a tripulação reduziu a alavanca de tração do motor esquerdo, que foi progressivamente retardado, levando a aeronave a voar praticamente sem potência.

Após as investigações, o relatório final apontou que:

– Houve uma falha técnica já na decolagem, que impediu que os sistemas do motor direito funcionassem corretamente durante a corrida e na subida;

– A tripulação não rejeitou a decolagem quando a luz do botão do sistema de aceleração automática de decolagem não se acendeu;

– A companhia TransAsia não tinha uma documentação clara instruindo pilotos sobre os procedimentos de rejeição de decolagem para o caso do não acendimento da luz descrita acima;

– Após a entrada do sistema de alimentação automática do motor direito, a tripulação falhou em cumprir os procedimentos para identificação do motor em falha, e reduziu a potência do motor esquerdo;

– A tripulação não seguiu os procedimentos da companhia aérea para casos de apagamento de motor na subida após decolagem, e cortou o motor errado;

– Com perda de potência na decolagem, ações erradas nos comandos de voo geraram uma série de avisos de estol, e os pilotos não agiram de forma rápida e efetiva sobre a situação;

– Como a tripulação não detectou a perda de potência dos dois motores, a tentativa de religar os motores foi tardia, não havendo mais altitude suficiente para a recuperação;

– Falha de comunicação eficiente entre os pilotos impediu que fosse identificada a condição de perda dos dois motores.

A companhia aérea TransAsia disse que melhorou o treinamento de pilotos e a organização da empresa desde o acidente, e que, dias após o acidente, suspendeu 10 pilotos de ATR depois de terem falhado em um teste de habilidades de voo encomendado por conta do acidente.

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