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Empresa aérea e fazendeiros devem ter de pagar mais de R$ 1 mi a comunidade indígena por pulverizações aéreas irregulares

Imagem ilustrativa: actionsports, via Depositphotos

Na última terça-feira (14), o Ministério Público Federal (MPF) informou que está movendo uma ação civil pública buscando a condenação de dois fazendeiros e de uma empresa aérea ao pagamento de R$ 1,024 milhão como indenização à comunidade indígena Morcego por danos morais coletivos.

Segundo descreve o MPF, os réus estão sendo acusados de realizar repetidos despejos de agrotóxicos por meio de uma aeronave agrícola, em desrespeito à legislação ambiental e à ordem de interdição da atividade pela autoridade ambiental.

Essas práticas causaram impactos diretos nas residências, plantações e nos próprios moradores da comunidade indígena Morcego, localizada na Terra Indígena Serra da Moça, região de Murupu, no município de Boa Vista (RR).

Além da compensação financeira, o MPF solicita uma medida liminar de urgência para impedir que os réus realizem novas pulverizações agrícolas por meio de aeronaves ou outros veículos aéreos nas fazendas próximas à terra indígena (TI). A ação também requer a imposição de multa individual no valor de R$ 1 milhão por cada ato cometido.

De acordo com a ação, desde 2021, os arrendatários da Fazenda Paricana, localizada a menos de 300 metros da comunidade Morcego, utilizando os serviços de uma companhia aérea agrícola, despejaram agrotóxicos por via aérea pelo menos cinco vezes, sendo quatro em desacordo com a interdição administrativa.

Eles também deixaram de adotar as precauções necessárias para cumprir a legislação ambiental, impactando diretamente a comunidade indígena Morcego, habitada pelos povos das etnias Macuxi e Wapichana.

Os indígenas relataram sintomas como ardência no corpo, dificuldade respiratória, dores de cabeça, ânsia de vômito, coceira e desconforto nos olhos. Essa situação foi comunicada pela comunidade ao MPF desde agosto de 2021 e foi reforçada pela Comissão de Lideranças da Etnorregião Murupu em uma audiência extrajudicial em outubro do ano passado.

O MPF argumenta que a infração cometida pelos acusados violou gravemente o direito fundamental dos indígenas à preservação de sua cultura, saúde e meio ambiente e que o uso de agrotóxicos por via aérea na terra indígena Morcego colocou em perigo a vida e a integridade física dos habitantes locais, assim como a biodiversidade da região.

Além disso, a infração evidenciou um total desrespeito pela autoridade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que havia ordenado a suspensão da atividade de aplicação aérea de agrotóxicos na área. Mesmo após autuações, os acusados persistiram na conduta ilegal, como constatado em uma nova fiscalização do órgão ambiental.

Autuações

Após pedido do MPF, o Ibama constatou que a aplicação de agrotóxicos ocorreu em espaço especialmente protegido, provocando a destruição de lavouras indígenas.

Na primeira diligência, ocorrida em setembro de 2021, os fiscais do Ibama constataram a aplicação de agrotóxico em desconformidade com a Instrução Normativa 2/2008, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que dispõe sobre as normas de trabalho da aviação agrícola, e aplicaram duas multas no valor total de R$ 205 mil, além do termo de suspensão da atividade de pulverização aérea de agrotóxico.

Além disso, o Ibama confirmou que a distância aferida entre o local de aplicação e a área indígena era de apenas 300 metros, e a legislação determina que essa distância seja de no mínimo 500 metros. A distância inferior aos 500 metros regulamentares foi confessada pelos próprios agropecuaristas em declarações à Polícia Federal.

Em 2022, após relatos de outras aplicações, o Ibama retornou à fazenda e comprovou que os réus novamente, apesar de estarem impedidos, confirmaram a reiteração do novo despejo de agrotóxicos, o que culminou em outras autuações, culminando em novas multas no valor total de R$ 307,5 mil.

No dia da fiscalização, os servidores do órgão perceberam forte odor de produtos químicos em toda a área externa da residência, que era o mesmo sentido no limite da fazenda com a terra indígena. Dentro da TI, foram percebidos sinais de dessecação de folhas na vegetação nativa do Cerrado.

Relatos

O MPF também realizou inspeção na comunidade Morcego em maio de 2022, e colheu depoimentos de indígenas quanto às reações de saúde adversas decorrentes do contato com os agrotóxicos. Os indígenas relataram sintomas como coceira na boca e garganta, ardência nos olhos, tontura, vermelhidão na pele e dor no corpo, entre outros.

Dano moral

Para o procurador da República Alisson Marugal, autor da ação, apesar de o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) sugerir que o dano moral coletivo ambiental tenha valor equivalente à metade do montante pedido a título de danos materiais, tal diretriz é insuficiente para o caso da comunidade Morcego.

Segundo o procurador, o dano ambiental não decorreu somente de afronta à consciência coletiva, mas também a outros bens especialmente protegidos, como as terras indígenas, (arts. 231 e 225, §1º, III, da CF), afetou a saúde de indígenas e ocorreu de forma reiterada, por pelo menos cinco vezes.

Tal reiteração se deu a despeito de autuações administrativas e de expressa interdição de atividade determinada pela autoridade de polícia ambiental federal, denotando o completo despeito dos requeridos pelo meio ambiente, pela comunidade indígena vítima e pelos Poderes estatais constituídos”, diz trecho da ação.

Para o MPF, os requeridos violaram os direitos da comunidade indígena Morcego, causando danos ambientais, culturais e morais. Por isso, devem ser responsabilizados civilmente e obrigados a reparar os prejuízos causados, conforme previsto na Constituição Federal.

O valor da indenização deverá ser depositado em conta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para posterior aplicação em benefício da comunidade, conforme plano a ser elaborado pela Funai com a supervisão do MPF.

Além dessa ação civil, os réus também respondem a uma ação criminal na Justiça Federal pela prática do crime do art. 15 da Lei 7.802/89, que trata do uso de agrotóxicos.

Informações do Ministério Público

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