
O uso ilegal de dados pessoais de passageiros para a oferta de compensação por voos atrasados pode ter uma colaboração de dentro da indústria, como aponta uma recente decisão judicial.
Uma agente de viagens de luxo ingressou com ação judicial contra a Sabre International e a Airhelp Brasil, alegando que as empresas teriam obtido e utilizado, sem autorização, dados pessoais seus e de seus clientes, em suposta violação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O Caso e as Alegações da Agente
De acordo com os autos, a profissional, que atua na intermediação de passagens aéreas, reservas de hotéis e pacotes turísticos, enfrentou um episódio em 7 de janeiro de 2024 quando, após um atraso em um voo, recebeu um e-mail – supostamente encaminhado por meio da plataforma Tripcase – oferecendo serviços jurídicos para obtenção de indenização.
A mensagem teria despertado sua preocupação, pois indicava que uma empresa terceira poderia ter acesso aos seus dados pessoais, bem como aos dados de seus clientes. O voo citado fora realizado um mês antes entre São Paulo e Belo Horizonte, e sofreu um atraso de duas horas e meia na partida.
Em sua petição, a agente alega que, após ter seu e-mail utilizado indevidamente para notificar sobre a oferta de serviços advocatícios, ficou evidente o vazamento das informações.
Ela exigiu esclarecimentos sobre a origem e a utilização dos dados, além da exclusão completa dessas informações das bases das rés. Também pleiteou uma indenização por danos morais, no valor mínimo de R$ 20 mil, e a obrigação de que as empresas se abstenham futuramente de tratar seus dados sem consentimento expresso.
As empresas, por sua vez, defenderam que o compartilhamento de informações entre parceiros comerciais – no caso, a parceria entre AirHelp e Tripcase (subsidiária da Sabre) – é uma prática regulamentada e que a agente teria aceitado os termos de uso do aplicativo no momento do cadastro, autorizando, assim, o compartilhamento dos dados.
A agente, por outro lado, afirmou que utiliza a plataforma Tripcase, mas no caso específico da viagem de dezembro de 2023, não havia inserido ela na plataforma, logo não teria como a Tripcase ter conhecimento do voo, a não ser que a Sabre repassasse alguma informação para a AirHelp por outros modos.
Vale notar que alguns dos softwares de gerenciamento de voos da Sabre é utilizado pelas maiores companhias aéreas brasileiras, podendo ter ocorrido um vazamento de dados neste sentido, algo que já é comentado internamente em algumas empresas aéreas.
Decisão Judicial
Em decisão proferida recentemente, a juíza responsável pelo caso julgou parcialmente procedente a ação. Segundo a sentença, a análise foi realizada “no estado de rigor”, com base em prova unicamente de direito, dispensando a produção de novas provas.
O magistrado rejeitou a preliminar de ilegitimidade arguida pela Sabre, afirmando que a utilização do e-mail cadastrado para ofertar serviços jurídicos configurou, sim, o tratamento dos dados da agente, tornando-a parte legítima para figurar no polo ativo da demanda.
Conforme a sentença, ficou comprovado que houve vazamento dos dados, não apenas da agente, mas também dos dados de um de seus clientes, decorrente do uso indevido de seu e-mail para envio de comunicações relativas à oferta de serviços advocatícios.
O juiz destacou que, embora as rés tenham argumentado a existência de uma parceria comercial e a aceitação dos termos de uso do aplicativo pela agente, tais justificativas não eximiam as empresas de sua responsabilidade quanto à proteção dos dados pessoais, em desacordo com a LGPD.
Em decorrência dos atos praticados – que geraram danos morais pela violação à privacidade e intimidade da agente –, o magistrado condenou as rés a:
Indenizar a agente em R$10.000,00 pelos danos morais, quantia a ser atualizada e acrescida de juros moratórios;
Abster-se de receber, tratar ou utilizar os dados pessoais da agente para quaisquer fins, futuramente, exceto mediante consentimento expresso por escrito, sob pena de multa diária de R$1.000,00, limitada a 30 dias.
Além disso, as rés foram condenadas ao pagamento das custas processuais, despesas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. A decisão do processo de número 1008936-27.2024.8.26.0011 ainda cabe recurso.
Entramos em contato tanto com a AirHelp, que informou “que não foi notificada oficialmente e aguarda a sentença para se manifestar. A companhia se posicionará assim que tiver conhecimento dos autos do processo“. Já a Sabre também foi contatada para dar um posicionamento sobre o assunto, mas até a publicação desta reportagem não havia ainda retornado o nosso contato.