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Entenda por que um passageiro sofreu séria fratura em avião que não voava em mau tempo

Imagem ilustrativa: Boeing 777-300ER

Um relatório de investigação publicado nesta segunda-feira, 09 de agosto, apresenta os motivos que levaram um passageiro a ter uma séria fratura quando a bordo de um avião durante um voo que não estava passando diretamente por mau tempo, evidenciando a importância da recomendação de que passageiros se mantenham de cintos durante todo o voo, mesmo com o aviso de cintos desativado.

A aeronave envolvida foi o Boeing 777-300 registrado sob a matrícula A6-EPN, operado pela companhia aérea Emirates, quando estava realizando o voo de número EK-957 no dia 17 de janeiro deste ano.

O grande jato voava de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para Beirute, no Líbano, com 50 passageiros e 14 tripulantes, e já estava descendo quando, por volta do FL292 (cerca de 29.200 pés de altitude), a aeronave encontrou turbulência severa, causando ferimentos graves a um passageiro e ferimentos leves a outros 2 passageiros e a 4 tripulantes.

A aeronave seguiu para Beirute para um pouso seguro e uma investigação foi aberta, tendo agora culminado com a publicação do relatório.

Investigação e descobertas

Segundo reporta o The Aviation Herald, a Autoridade de Aviação Civil dos Emirados Árabes Unidos (GCAA) descreve no relatório que a análise da comunicação dos pilotos com o controle de tráfego aéreo de Nicósia (ATC), antes do início da descida, indicou que tanto o controlador ATC quanto a tripulação de voo estavam cientes do clima significativo nas imediações.

A decisão inicial da tripulação de voo foi solicitar autorização do ATC para um desvio, pois o radar meteorológico indicava nuvens cumulonimbus (CB) a aproximadamente 80 milhas náuticas (NM), ou cerca de 148 km, à frente da aeronave. O ATC aconselhou a tripulação de voo a voar diretamente a um novo waypoint (ZALKA) que o Comandante aceitou e, em conformidade, selecionou o rumo de 042 graus que levaria a aeronave ao sul dos CBs.

A tripulação de voo estava confortável com o novo rumo, especialmente porque a condição meteorológica apresentada pelo visor de navegação indicava que as células da nuvem estavam de 50 a 120 NM ao norte da rota de voo.

Antecipando-se à possibilidade de turbulência durante a descida por conta dos CBs nas imediações, o comandante ligou o sinal do cinto de segurança no FL360.

Os pilotos afirmaram que, durante os primeiros três minutos de descida, não havia indicação de radar meteorológico no visor de navegação de qualquer tempo significativo (como manchas vermelhas) ou qualquer formação de nuvem e precipitação que pudesse formar um tipo de ameaça que teria justificado atenção adicional.

Quando a severa turbulência de ar limpo começou, os pilotos imediatamente implementaram o SOP (procedimento operacional padrão), controlando a velocidade excessiva com o uso dos freios de velocidade e selecionando os modos de piloto automático apropriados.

A investigação conclui que as decisões operacionais foram apropriadas com base nas informações disponíveis, incluindo o monitoramento e as configurações do radar meteorológico, a carta OFP de meteorologia significativa, a comunicação com o ATC de Nicósia e a automação da aeronave.

Condições meteorológicas

Os investigadores analisam que as condições meteorológicas significativas que prevaleciam nas FIRs (Regiões de Informação de Voo) de Nicósia e Beirute foram previstas no gráfico de prognóstico meteorológico de alto nível (SIGWX) contido no plano de voo operacional para o voo EK957.

A previsão incluía informações sobre CBs embutidos ocasionais, com topos de 30.000 pés, e turbulência moderada com aumento ocasional para severa, entre o FL380 e o FL280, aproximadamente ao norte da latitude N32.0 onde as FIR de Nicósia e Beirute estão dentro.

Além disso, a rota de voo da aeronave e a altitude dentro da FIR de Nicósia a levaram ao norte da corrente de jato do hemisfério norte, que foi prevista no FL370 com velocidades máximas de até 170 nós e perto da latitude N32.0.

No dia do voo, por causa dos fenômenos meteorológicos significativos predominantes de tempestades e turbulência severa, ambos os escritórios de observações meteorológicas (MWO) das regiões de LCLK e OLBA publicaram informações meteorológicas significativas (SIGMET) em intervalos regulares a cada quatro horas.

A meteorologia significativa que afetava a FIR de Nicósia foi confirmada pela imagem multiespectral de satélite capturada às 08h00 em 17 de janeiro de 2021, que também indicou áreas de raio perto da rota de voo da aeronave na FIR de Nicósia.

Quando a tripulação de voo EK957 se comunicou com o ATC de Nicósia pela primeira vez (aproximadamente em 07h57 UTC), os relatórios SIGMET 3 e 4 emitidos pelo MWO LCLK estavam em vigor para a FIR de Nicósia. Dos dois relatórios do SIGMET, o SIGMET 3 forneceu informações sobre a previsão de turbulência severa que ocorreria durante o período de 05h30 a 09h30, entre o FL260 e o FL390, ao sul das coordenadas de latitude N34.30, e nenhuma mudança era esperada durante o período de 4 horas.

Os dados do gravador de dados do voo (FDR) da aeronave confirmaram que a primeira região de turbulência severa encontrada ocorreu entre as altitudes de pressão 28.400 pés e 25.500 pés, perto das coordenadas de latitude N32.857, que era semelhante ao nível de voo e localização previstos no SIGMET 3.

A turbulenta de céu limpo em que a aeronave entrou foi possivelmente devido à redução repentina na magnitude do vento horizontal, de aproximadamente 49 nós (91 km/h), o que resultou em variação significativa de cargas g em todos os eixos do avião.

A investigação conclui que a significativa turbulência atmosférica que a aeronave atravessou durante a descida foi devido à mudança nas velocidades do vento, que provavelmente foi influenciada pela corrente de jato e das tempestades que estavam afetando a FIR de Nicósia.

Com base na análise e no cálculo realizado pelo fabricante da aeronave, a influência da corrente de jato e da tempestade que se instalou na área foi capaz de produzir turbulências significativas.

Padronização de informação meteorológica

Em 17 de janeiro de 2021, o SIGMET 3, emitido pelo MWO LCLK, continha a previsão de turbulência severa ocasional entre o FL260 e o FL390. A mensagem SIGMET foi recebida pela interface WSI Fusion. No entanto, o texto da mensagem tinha sido formatado como “BTN FL260 AND FL390”, que não era um formato reconhecido pelo WSI Fusion.

Consequentemente, o WSI Fusion não conseguiu compilar a mensagem e parou de analisar as informações do SIGMET nos caracteres “FL260” porque o texto livre ‘AND’ não era compatível com a linguagem de programação do software. O formato padrão SIGMET do Anexo 3 da Convenção de Chicago utiliza barras ‘/’ para separar os níveis de voo.

Quando o SIGMET 3 foi emitido às 05h15 pelo MWO LCLK, a aeronave estava em fase de cruzeiro na FIR Jeddah, e estava a cerca de 2 horas e 43 minutos do ponto de entrada da FIR Nicosia. No entanto, um alerta só foi gerado às 08h05 quando o nível de voo da aeronave atingiu o FL260 durante a descida na FIR Nicosia e combinou com o nível de voo reconhecido pelo WSI Fusion.

Quando a mensagem de alerta ACARS (Sistema de Comunicação, Endereçamento e Reporte da aeronave) foi finalmente transmitida para a aeronave às 08h09, a política de esterilização da cabine estava em vigor, portanto, foi mantida em espera e não exibida para a tripulação de voo.

Mesmo que a tripulação de voo tivesse acesso à mensagem ACARS, no momento em que o alerta foi transmitido, ela não teria beneficiado a tripulação de voo, pois a aeronave já havia ultrapassado o nível de voo indicado na mensagem de alerta.

A investigação alerta que todos os relatórios do SIGMET devem receber atenção oportuna e ser comunicados às tripulações de voo que podem auxiliar em seu processo de tomada de decisão. Quando um perigo de turbulência não é alertado e evitado em tempo hábil, as oportunidades de mitigação de risco de variações severas em voo, danos estruturais à aeronave, flutuações da velocidade do ar e grande variação nas cargas g, e os consequentes ferimentos aos membros da tripulação e passageiros, serão comprometidas.

Causa provável e fatores contribuintes

Com base nas análises efetuadas, a GCAA aponta como causa provável do acidente:

– as forças g verticais significativas impostas à aeronave por causa da turbulência severa do ar limpo, o que fez com que um passageiro sem cinto fosse levantado com força e impactasse acessórios da cabine, resultando em fratura grave de seu pé direito.

Adicionalmente, como fatores contribuintes para a ocorrência, são apontados:

– A influência da corrente de jato e da tempestade na região da trajetória de voo foi significativa o suficiente para produzir turbulência severa;

– A tomada de decisão da tripulação de voo carecia de informações críticas contidas no SIGMET 3 emitido pelo MWO LCLK (cobrindo o período de 05h30 até 09h30) que previa turbulência severa entre o FL260 e o FL390, ao sul da latitude N34.30;

– O formato do SIGMET emitido pelo MWO LCLK era diferente das recomendações contidas no Anexo 3 da ICAO e no regulamento da UE nº 2020/469, de modo que a aplicação do Weather Services International Fusion (WSI Fusion) aplicada pelo departamento de despacho de voo do Operador não gerou um alerta oportuno para o relatório SIGMET 3.

Com informações da GCAA via The Aviation Herald

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