A formação de gelo na aeronave ATR já causou vários acidentes mundo afora e um piloto especialista no assunto comentou os procedimentos que devem ser adotados pelos tripulantes nesta situação.
Quem comentou foi Juan Browne “Blancolirio“, comandante de Boeing 777 e conhecido pelas explicações técnicas e considerações em investigações aeronáuticas, tendo inclusive comentado fatores que foram colocados no relatório preliminar de um avião aeromédico que caiu nos EUA no ano passado, sendo bastante respeitado no setor por explicações simples, rápidas e sem especulações.
Diante do acidente desta sexta-feira, 9 de agosto, com um ATR 72-500 da Voepass, Blancolirio elaborou um vídeo baseado nas informações já divulgadas e dados públicos disponíveis.
O parafuso chato no ATR
Ele nota que, aparentemente pelas imagens, os dois motores estavam funcionando durante a queda e, em algum momento, durante o parafuso chato (onde o avião cai de maneira paralela ao solo), a tripulação reduz a potência, já que é audível uma mudança no som dos motores.
“Como mencionei várias vezes neste canal, se você colocar uma dessas aeronaves multi-motores em um parafuso, é muito, muito difícil, senão impossível, recuperar a aeronave. Há muita massa com dois motores fora do centro de rotação da aeronave, o que dificulta a parada da rotação do parafuso. Além disso, a configuração desta cauda (em T) e o ângulo de ataque que a cauda está enfrentando, especificamente o leme, durante o parafuso, oferecem muito pouca autoridade ao leme para recuperar a aeronave do parafuso“, afirma o Comandante.
Com isso, mesmo com os pedais aplicados, o leme não terá a ação desejada, principalmente de mudança de direção, que é um dos passos iniciais para a saída de qualquer tipo de parafuso.
Blancolirio ressalta que o possível barulho de redução de motores faz sentido, já que “o primeiro passo para sair de qualquer parafuso chato é claro reduzir a potência, é a potência dos motores que mantém o nariz para cima e faz o parafuso ser chato”.
No caso da redução de potência, o nariz iria cair, diminuir o ângulo das asas, permitindo a geração de sustentação, além de facilitar a atuação dos lemes para que o avião parasse de girar e saísse do parafuso.
Condição de Gelo no ATR
A presença de gelo na região do voo foi confirmada pela própria Voepass em coletiva de imprensa, e também consta nas publicações oficiais da aeronáutica, disponíveis para todos os pilotos.
A companhia aérea afirmou que a tripulação e o setor de operações estavam cientes da formação de gelo, mas que também foi feita uma análise em que o gelo esperado estava dentro dos parâmetros permitidos para voos naquelas condições.
“Os investigadores de acidentes estarão olhando de perto o clima nesta situação e especificamente as condições de formação de gelo. Os reportes iniciais parecem indicar que existe a possibilidade de que a formação de gelo severo existia no momento deste acidente. E essas aeronaves turboélices são particularmente suscetíveis à formação de gelo, principalmente por causa do seu tipo de voo“, afirma Blancolirio, citando o fato do ATR ser uma aeronave a hélice que não tem performance para voar na mesma atitude de um jato da Airbus, Boeing ou Embraer.
Um fator que chama a atenção dele é a localização do Brasil: “eles estão voando a 17 mil pés, bem nas condições de formação de gelo, especialmente nas latitudes ao sul durante o inverno, em regiões mais quentes, os grandes aviões de companhia aérea vão voar em cruzeiro bem acima do nível de formação de gelo, de 30 a cerca de 40 mil pés, acima das nuvens, acima da formação de gelo, mas os turboélices estão limitados, de modo que estão bem no meio do “sanduíche”.
Blancolirio nota o fato do próprio manual do ATR para operações em condições de gelo ter este seguinte aviso: “Operar em países mais quentes não evita que você entre em condição de formação de gelo: 30ºC no nível do mar significa 0ºC a 15 mil pés”.
O Comandante também nota que existe um checklist que tem que ser memorizado para condições de formação de gelo, que inclui aumento de velocidade, aplicação de potência máxima contínua, desativação do piloto automático (que pode “mascarar” a perda de controle parcial dos comandos causada pela formação de gelo), além de sair imediatamente da área adversa para então contactar o controle de tráfego aéreo.
Este checklist segue o preceito básico da aviação que é o chamado Aviate, Navigate and Communicate, na tradução ao português brasileiro: Voe, Navegue e Comunique, sendo uma ordem de prioridades para sair de uma situação adversa ou de emergência.
Uma ocorrência similar aconteceu em julho de 2013, com também um ATR 72-500, desta vez da TRIP Linhas Aéreas (na época ainda em processo de fusão com a Azul). Onde a condição de formação de gelo foi confundida com problemas nas hélices, e uma sequência de falhas pela tripulação levou à perda de controle, que conseguiu ser revertida.
Este caso é explicado em detalhes por outro profissional, desta vez brasileiro David Branco Filho. Ele é um dos maiores especialistas em segurança aeronáutica no Brasil, formado pela Força Aérea Brasileira, com cursos pelas americanas FAA, NTSB e USAF, e também foi piloto de testes da Embraer por vários anos.
No vídeo abaixo no canal Branco Aviação, ele explica os fatores e ameaças que envolvem o voo em condições de gelo, e como a investigação chegou à conclusão sobre o caso do voo TRIP 5591 de Salvador para Maceió:
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