Família judaica se recusa a voar em dia sagrado, processa a aérea Latam e perde a ação

Boeing 777 da Latam

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou um pedido de indenização por danos morais e materiais feito por uma família judaica contra a Latam Airlines por atraso em um voo. A 11ª Câmara de Direito Privado do TJSP entendeu que o dano moral “não pode ser presumido em decorrência da mera demora e eventual desconforto, aflição e transtornos suportados pelo passageiro”

De acordo com os autos verificados pelo site jurídico Conjur, a família ia de Tel Aviv, em Israel, para Buenos Aires, na Argentina, com parada no aeroporto de Guarulhos, mas recebeu um e-mail da companhia aérea informando que haveria atraso no primeiro voo, o que faria com que eles perdessem a conexão em São Paulo. 

A empresa ofereceu realocação em outro voo em Guarulhos, mas, em razão das práticas do judaísmo, a família não poderia viajar na sexta-feira à noite devido ao shabat, que começa com o pôr-do-sol da sexta e termina ao anoitecer do sábado. Nesse período, segundo a religião, os judeus se dedicam ao descanso e à oração.

Por causa disso, a família acabou remarcando a viagem para três dias depois e alegou ter ficado sem assistência da companhia aérea, o que motivou o ajuizamento da ação. No entanto, a indenização foi negada em primeira e segunda instâncias. 

Segundo o relator, desembargador Marco Fábio Morsello, dadas as características próprias do ramo do transporte aéreo, “certos eventos denotam caráter extrínseco à atividade empreendida, não havendo que se falar em dano moral em todas as situações de atrasos e cancelamentos de voos, desde que resolvidos dentro de uma margem de tempo razoável”.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu, recentemente, que os danos morais em transporte aéreo não mais devem ser considerados in re ipsa. Em outros termos, foi reconhecida, pelo aludido tribunal superior, a necessidade de arbitramento dos danos morais em tais eventos com base no concreto sofrimento vivido“, afirmou.

O relator considerou que, após a comunicação do atraso no voo em Tel Aviv, a companhia aérea se mostrou prestativa ao oferecer alternativas aos autores, “sendo certo que a primeira alternativa ofertada não pôde ser acolhida em decorrência de preceitos religiosos seguidos pelos requerentes“. Ademais, prosseguiu, a empresa prestou informações prévias, claras e precisas sobre a alteração do horário dos voos e, mesmo com os atrasos, não há notícia de perda de compromissos inadiáveis.

Não se nega que o primeiro voo disponível para que os autores chegassem ao seu destino seria realizado durante o período de shabat. Contudo, na linha das manifestações da douta magistrada e do ilustríssimo membro do Ministério Público, as consequências econômicas advindas da recusa de embarque neste voo não podem ser atribuídas à companhia aérea, pois que derivou de escolha pessoal dos próprios apelantes“, completou.

Desse modo, o magistrado apontou o rompimento do nexo de causalidade, impedindo a responsabilização da empresa ré, nos termos do inciso II do § 3º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Ele destacou que a maior parte do atraso não poderia ser atribuído à companhia aérea, uma vez que a necessidade de remarcação do voo oferecido pela empresa derivou de decisão pessoal dos autores.

Desse modo, a escolha pessoal dos apelantes, ainda que respaldada por uma questão absolutamente respeitável e significativa, como é o caso da escusa religiosa, não impõe ao devedor o cumprimento da prestação de maneira mais gravosa (com o pagamento de diárias em hotel, transporte e alimentação, por exemplo), uma vez que nem o contrato de transporte, nem a lei impõem ao fornecedor este dever.

A parcela de atraso atribuível à companhia aérea, segundo Morsello, não superou os limites do razoável, levando-se em consideração que se tratava de voo internacional, com conexão e que sequer trouxe custos adicionais aos passageiros: “Assim, não é possível imputar reparação extrapatrimonial à ré, seja pela ausência de ato ilícito, seja pela ausência de comprovação dos alegados danos“. A decisão foi unânime.

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Juliano Gianotto
Juliano Gianotto
Ativo no Plane Spotting e aficionado pelo mundo aeronáutico, com ênfase em aviação militar, atualmente trabalha no ramo de fotografia profissional.

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