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Incidente grave com Boeing 757 da Delta nos Açores tem relatório final divulgado

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No último dia 24 de abril, o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) de Portugal divulgou relatório sobre o incidente, considerado grave pelo órgão, em que um Boeing 757-200 da Delta Air Lines teve sérios danos na fuselagem durante o pouso.

Boeing 757-200 da Delta

Em 18 de agosto de 2019, durante o pouso no aeroporto João Paulo II, em Ponta Delgada, no arquipélago dos Açores, o Boeing 757 da Delta Air Lines sofreu danos estruturais na fuselagem dianteira inferior junto ao trem de nariz e na parte superior da fuselagem central na zona à frente da asa, após pouso duro.

A aeronave, modelo Boeing 757-251(WL), de matrícula americana N543US e com número de série (MSN) 26490/709, realizava o voo DL414, tendo decolado do Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York, EUA, com destino ao Aeroporto João Paulo II, em Ponta Delgada, Açores, Portugal. A bordo estavam 07 tripulantes e 161 passageiros, totalizando 168 pessoas embarcadas.

Não houve vítimas no incidente.

Problemas durante o pouso

Conforme divulgado no Relatório Final, a aeronave realizou o voo DAL414 procedente de Nova York (KJFK) sem incidentes.

Durante a preparação para o pouso em Ponta Delgada, nos Açores, a tripulação, antecipando-se, preparou uma aproximação ILS (pouso por instrumentos) na pista 30. Porém, durante a descida, a aeronave recebeu autorização para realizar uma aproximação RNAV (GNSS1) Z, para pouso na pista 12. (RNAV GNSS: Navegação de área suportada pelo sistema global de satélites de navegação).

O peso máximo de aterrissagem estimado da aeronave no momento do pouso era de 196.000 libras (88.904 kg), dentro do valor máximo permitido (MLW) de 198.000 libras (89.811 kg). Assim, a tripulação revisou os parâmetros de pouso, calculando a velocidade de referência (Vref) de 133 nós (246 km/h) e as distâncias de aterrissagem, fazendo a opção de “brake 4” no sistema de frenagem automático da aeronave, baseando-se nas informações do guia da Delta para o aeroporto de destino.

O vento reportado à tripulação tinha direção 050° (graus) com 16 nós (29,6 km/h) de intensidade, variando de direção entre 020 e 080 graus. A temperatura local era de 21°C.

Na aproximação, em torno dos 1.500 pés (457 m), o copiloto, que voava a aeronave, desacoplou o piloto automático e seguiu os procedimentos operacionais padronizados da Delta (SOP).

Já na final curta, foram percebidas algumas variações de velocidade, sendo executadas pelo copiloto as respectivas correções nos comandos de voo e ajustes de potência dos motores, auxiliado verbalmente pelo comandante da aeronave.

O contato inicial com a pista foi realizado pelo trem principal esquerdo, seguido do trem principal direito, ambos os toques considerados normais. Logo depois, o nariz da aeronave desceu abruptamente, tendo o trem de nariz tocado fortemente na pista.

A aeronave estava posicionada na linha central da pista e, após o forte toque do trem de nariz, desacelerou rapidamente. Em seguida, ainda sem perceber o que havia ocorrido, quando a aeronave ainda desenvolvia a velocidade de aproximadamente 100 nós (185 km/h), o comandante assumiu o controle da aeronave.

Após a desaceleração, a aeronave dirigiu-se ao local de estacionamento que lhe fora indicado, sem qualquer reporte de anomalias pelos pilotos.

Durante a inspeção de pós voo, foram observados danos na fuselagem dianteira inferior junto ao trem de nariz e na parte superior da fuselagem central na zona à frente da asa.

Análise dos dados

Durante a coleta e avaliação dos dados, evidenciou-se que ambos os pilotos estavam em plenas condições de saúde e técnicas, com suas habilitações e certificados validos.

O copiloto, com 42 anos de idade na época, registava um tempo de voo total a serviço da Delta de 850 horas, todas no B757. Segundo os dados apurados na investigação, este foi o segundo pouso com auto brake 4 realizado pelo copiloto.

A aeronave não possuía registros ou evidências de danos anteriores ao incidente.

A aeronave sofreu danos na estrutura primária da fuselagem com deformações em cavernas (frames), vigas de reforço (stringers) e em seu revestimento (skin), bem como deformação permanente nos eixos do trem de nariz.

Danos no N543US no pouso duro em Açores – Fonte: GPIAAF

No incidente, várias áreas da fuselagem sofreram deformação, sobretudo por cargas de compressão. Várias vigas de reforço sofreram danos por esmagamento com zonas de fissuras pela aplicação de combinação de tensões.

Os danos sofridos na aeronave foram consistentes com uma sobrecarga no trem de nariz, com propagação de esforços para a estrutura primária, induzindo deformações permanentes em zonas propensas à concentração de tensões.

Detalhe do dano na parte superior da fuselagem dianteira no N543US
Dano na parte superior da fuselagem dianteira no N543US
Dano na parte inferior da fuselagem dianteira

Quanto ao trem de pouso de nariz, constatou-se em seu eixo uma deformação de 2,03 milímetros em sua parte inferior, condizente com a ocorrência de pouso duro (hard landing). O nível de óleo do amortecedor estava um pouco abaixo da capacidade máxima (10,65 litros para o máximo de 10,88 litros), e não foram encontrados danos nas partes internas e externas do amortecedor.

Os registos históricos de intervenções no trem de nariz evidenciaram uma inspeção dimensional, realizada em 10 de maio de 2017, e uma inspeção completa executada em 23 de setembro de 2017.

Durante as inspeções de rotina (service check), são avaliadas as amplitudes dos amortecedores, com as necessárias correções através da aferição das pressões em relação à temperatura ambiente. Também, não foram encontrados registos de vazamentos hidráulicos ou ajustes de pressão de nitrogênio e/ou fluido hidráulico.

Pela análise dos dados do FDR (gravador de dados de voo) pelo GPIAA, ficou evidenciado que o trem de pouso principal tocou o solo com uma intensidade de 1,53 g (1,53 vezes a força da gravidade), dentro dos valores normais, e a aceleração vertical aumentou para 1,88 g quando ocorreu o toque no solo do trem de nariz. O GPIAA observou no Relatório:

  • Vários movimentos na coluna de controle, com amplitude crescente, sendo que a variação dos valores de -5,0 (nariz para baixo) ocorre imediatamente antes da aceleração vertical desenvolver uma mudança repentina (contato com o solo) e uma correção é feita para +7,40 (nariz para cima) logo depois;
  • Foi possível verificar que, durante o mesmo período de tempo, o ângulo de pitch (movimento de subida e descida do nariz da aeronave provocado pelos profundores) mudou significativamente de +3,9 para -1,4 graus.
Análise dos dados registrados pelo avião – Fonte: GPIAA – Relatório Final
Análise dos dados da aceleração vertical e do ângulo de pitch – Fonte: GPIAA – Relatório Final

Porém, como os dados do FDR registraram apenas uma amostra por segundo, isto não possibilitou aos investigadores concluir, sem qualquer margem para dúvida, se a aplicação de pressão do sistema automático nos freios foi um fator com influência direta sobre o incidente, de forma a determinar se o consequente momento de abaixamento do nariz criado pela frenagem automática influenciou a carga estática passada à estrutura primária da fuselagem dianteira.

Causas Prováveis

A investigação aponta, como causa mais provável para o evento, a rotação excessiva no sentido descendente do nariz da aeronave, resultando em pouso duro (hard landing) com sobrecarga no trem de nariz.

Os seguintes fatores, ou a combinação deles, teriam contribuído para o evento:

  • A indicação para fazer a aproximação RNAV (GNSS) para a pista 12 quando a tripulação tinha preparado uma aproximação ILS para a pista 30;
  • A técnica de pilotagem do copiloto com correções excessivas de atitude e potência, em particular o movimento excessivo de “nariz em baixo” no profundor após toque com os trens principais;
  • Para as repetidas correções do copiloto, pode ter contribuído o efeito do vento cruzado lateral de nordeste durante a fase de aterrissagem (050 graus com intensidade de 16 nós e variação na direção entre 020 e 080 graus);
  • O peso da aeronave na aterrissagem teria contribuído para as consequências nos danos registados na estrutura primária.

O Relatório ainda indica que não se pode excluir a possibilidade de contribuição da redução de potência dos motores durante o movimento de rotação de nariz em baixo (isso ocorre porque os motores ficam embaixo da asa, portanto, abaixo do Centro de Gravidade, de forma que a aceleração faz o nariz do avião se elevar e a desaceleração faz o nariz abaixar).

Resumidamente falando, três fatores podem ter se somado para o abaixamento do nariz mais intenso do que o limite: a ação do piloto de empurrar o manche, a aplicação dos freios pelo sistema automático da aeronave e a redução da potência dos motores.

Informações complementares

Durante um pouso normal, a carga máxima no trem de nariz é muito abaixo da capacidade estrutural da aeronave. À medida que o movimento para a frente nos comandos de voo aumenta, existe um aumento na carga máxima do trem de nariz, eventualmente superando a capacidade estrutural da aeronave, atingindo um ponto em que podem ocorrer danos.

A Boeing emitiu um Technical Bulletin de número 757-48, em 1 de fevereiro de 1993, onde são abordadas técnicas de aterrissagem, com informação aos pilotos indicando que o profundor tem efetividade suficiente para provocar uma razão excessiva de “nariz em baixo” se este for totalmente comandado para baixo durante o pouso. Indica ainda que a tripulação deve estar consciente de que o comando de profundidade “nariz em baixo” durante o pouso não é necessário e, se usado, pode resultar em danos estruturais.

Na época do incidente, dúvidas foram levantadas se os danos não seriam permanentes, porém, a aeronave foi trasladada para Atlanta em 19 de setembro de 2019 e, após passar por reparos, retornou aos voos em 01 de dezembro do mesmo ano, segundo informações do Aviation Safety Network.

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