Major do Exército fala da nova ameaça no campo de batalha: Sistema de Aeronaves Remotamente Pilotadas

Bayraktar TB2 – Imagem: Bayhaluk / CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Em uma publicação nesta semana, o Major Fiuza Neto, Chefe da Seção de Pós-Graduação da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército Brasileiro (EB), abordou o tema “Sistema de Aeronaves Remotamente Pilotadas: nova ameaça no campo de batalha do século XXI”.

Vale ressaltar que o assunto foi publicado no Blog do Exército Brasileiro, um espaço para a livre manifestação de militares e civis sobre temas de interesse, que não representa a posição oficial da Instituição.

Acompanhe a seguir o conteúdo apresentado pelo Major Fiuza Neto, que ainda tem como coautor o Major Fernando Cesar.

“Os cenários das guerras do futuro tendem a ser caracterizados pela presença das seguintes capacidades no campo de batalha: inteligência artificial, robótica, dimensão espacial, pronta resposta estratégica, guerra eletromagnética, campo informacional, crime organizado transnacional, tensões sociais, ações terroristas e emprego de materiais militares cada vez mais sofisticados, com alto valor agregado, em gradativa substituição de tarefas antes desempenhadas por humanos.

Nesse contexto, destaca-se o Sistema de Aeronaves Remotamente Pilotadas (SARP) como uma nova ameaça no campo de batalha do século XXI, o qual pode cumprir várias tarefas e atingir inúmeros objetivos nos níveis estratégico, operacional e tático.

Dentre as muitas possibilidades de emprego, destacam-se: a execução de ações de inteligência, reconhecimento, vigilância e aquisição de alvos (IRVA); a realização de ataques às instalações e às tropas no terreno, com a utilização de mísseis altamente precisos, bombas guiadas ou do SARP como próprio armamento, tática vulgarmente conhecida como “suicidas”; e mapeamento aéreo. Há, ainda, a futura capacidade de realizar combate aéreo de forma eficaz em substituição a uma aeronave pilotada por humanos.

Os países que possuem maior investimento anual aplicado em Defesa já empregam esse novo ator na área militar em larga escala, tais como Estados Unidos da América (EUA), Israel, China, Rússia e Alemanha. Os EUA perceberam o potencial militar dessa nova capacidade e já a utilizam para atacar alvos suspeitos de terrorismo no Afeganistão, no Paquistão, no Iêmen e na Somália, além de desenvolverem novas capacidades para o aperfeiçoamento desses sistemas.

Em janeiro de 2020, o SARP norte-americano MQ-9 REAPER, um dos mais letais da frota dos EUA, utilizando os mísseis AGM-114 HELLFIRE, atacou o comboio que conduzia o general iraniano QASEM SOLEIMANI, ex-chefe da Força QUDS iraniana, próximo ao Aeroporto de Bagdá. A China, por sua vez, já realizou um exercício marítimo com helicópteros de ataque Z-19, lançando mísseis inteligentes fora da linha de visada contra alvos marítimos detectados e rastreados por SARP.

Nas guerras da Síria, da Líbia, de Nagorno-Karabakh e da Ucrânia, mais recentemente, os SARP desempenharam papel dominante, principalmente os armados, à medida que suas possibilidades demonstraram capacidade de modificar o centro de gravidade dos conflitos, sendo mais eficazes como multiplicadores de força, no trabalho em conjunto com equipamentos tradicionais como artilharia, mísseis de longo alcance e/ou no apoio a unidades terrestres móveis.

Em fevereiro de 2020, após um ataque aéreo sírio que matou 36 soldados turcos na província de Idlib, no norte da Síria, a Turquia, em retaliação, usou o SARP BAYRAKTAR TB2 de reconhecimento e combate para destruir dezenas de carros de combate, defesas aéreas e veículos blindados. Estima-se a morte de centenas, possivelmente milhares de soldados sírios, o que levou a Rússia, em nome da Síria castigada, a pedir um cessar-fogo.

Os SARP TB2s turcos também foram decisivos em março de 2020, durante a Operação Tempestade de Paz, uma operação militar com respaldo turco em um esforço para lançar um contra-ataque visando deter a ofensiva do Exército Nacional Líbio no leste da Líbia, expulsando as forças de seu reduto em Tarhouna.

No conflito de Nagorno-Karabakh, travado entre a Armênia e o Azerbaijão, e apoiado por Rússia e Turquia, respectivamente, os TB2s turcos foram utilizados para identificar posições defensivas armênias e, em seguida, orientar o fogo indireto de artilharia e lançadores de foguetes, enfraquecendo suas defesas.

Na atual guerra entre Rússia e Ucrânia, além do SARP TB2, o Exército Ucraniano tem obtido uma alta taxa de sucesso empregando o sistema punisher, da empresa UA-Dynamics. Esse sistema é capaz de armazenar três quilos de explosivos e atingir alvos em até 48 quilômetros atrás das linhas inimigas, sendo necessário apenas as coordenadas do alvo. O SARP é relativamente pequeno, leve e indetectável por radares, além de poder atingir até três alvos separados, bem como voltar à base para ser recarregado e retornar ao combate em poucos minutos.

Nesse contexto, o emprego massivo do uso de SARP pela Ucrânia está diminuindo a mobilidade e complicando o movimento de reservas e suprimentos das Forças Russas, obrigando-os a ocupar posições fortificadas em defensiva, o que dificulta a coordenação de ações ofensivas, acarretando a diminuição do ímpeto de combater e levando os russos a modificar/adaptar as técnicas, as táticas e os procedimentos.

Nessa conjuntura, o Ministério de Defesa da Rússia passou a divulgar imagens de SARP atacando estruturas militares ucranianas utilizando o SARP Inokhodets, capazes de voar durante 24 horas e carregando 60 quilos de carga, o que não foi confirmado. Contudo, em 13 de março de 2022, na capital da Ucrânia, Kiev, os militares ucranianos perceberam que os russos estavam utilizando pequenos SARP para ataques “kamikaze”, já que foi abatida uma aeronave KUB capaz de realizar voos de até seis horas carregando até quatro quilos de carga explosiva.

Em que pese as capacidades limitadas dos SARP, os conflitos recentes vêm demostrando que seu emprego provavelmente está revisando a maneira de se fazer guerra, já que um equipamento relativamente simples e barato tem se mostrado letal e durável o suficiente para fazer pender a balança nos conflitos regionais.

Diante dessa ameaça, alguns países já estão investindo em sistemas de defesa aérea contra os SARP. Entretanto, essas tecnologias ainda são incipientes e economicamente inviáveis, pois a tecnologia ofensiva (SARP) é mais barata. A título de exemplo, um sistema de mísseis russo S-400 Triumph custa aproximadamente US$ 300 milhões, e um Pantsir, cerca de US$ 14 milhões. Em contraste, um TB2 custa apenas US$ 5 milhões, e o seu míssil MAM-L, custa apenas US$ 100 mil a unidade.

Desde a sua introdução, os SARPs vêm se tornando cada vez mais relevantes nos conflitos mundiais. Isso fica atestado pela linha direta de evolução que vai desde o Afeganistão até o conflito entre Rússia e Ucrânia: de uma arma experimental, usada para eliminar terroristas em ataques pontuais, até um meio de guerra convencional, capaz de destruir colunas inteiras de caminhões e blindados em poucos minutos.

As aeronaves remotamente pilotadas possuem uma relevância bélica similar à de um caça e superior à de um carro de combate. O que explica essa tamanha importância? Qual o seu diferencial como arma de guerra? Acredita-se que está em seu custo-benefício, já que uma operação de ataque que antes necessitava de um caça F-35, custando aproximadamente 94 milhões de dólares, e manejado por um piloto que precisou de mais de um ano de treinamento intensivo, agora pode ser realizada por um equipamento de menor custo e pilotado remotamente por um operador treinado em semanas, o qual, na pior das hipóteses, não corre risco de morte, caso o veículo seja abatido.

Com o emprego de SARP, ficou mais barato, seguro e preciso realizar operações de ataque, especialmente contra alvos terrestres desprovidos de proteção aérea. Assim, com as variáveis de risco reduzidas, lançar ataques, antes caros e perigosos, tornou-se algo muito mais prático e acessível. Ainda que o custo elevado e o grau tecnológico altíssimo impeçam a maioria dos países de obter SARPs de ataque, para os que conseguem, o custo-benefício mostra-se totalmente viável.

Além disso, cabe enfatizar que os SARPs ainda não são livres de falhas, já que mesmo os modelos de combate mais avançados não têm mecanismos de defesa contra aviões de caça, e novas armas vêm sendo desenvolvidas, especificamente, para lidar com eles, como é o caso do sistema de guerra eletrônica BELLADONNA, utilizado pela Rússia em Nagorno-Karabakh para derrubar as aeronaves por meio da “fritura” à distância de seus componentes eletrônicos.

Por fim, sabe-se que, atualmente, o arsenal robótico brasileiro resume-se a poucas unidades, com baixa performance e vocacionadas para ações IRVA, tendo sido enfatizado no corrente estudo o gasto com caças que gira em torno de milhões de reais. Assim sendo, cabe ressaltar a necessidade de um ajuste nas nossas prioridades com gastos militares e verificar se estão de fato bem direcionados.

Nesse viés, está na hora de seguir o exemplo das grandes nações, pois já está claro que a linha evolutiva da guerra robótica já foi cruzada e muito provavelmente não voltará atrás, sendo o SARP parte essencial do arsenal militar moderno.”

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

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