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Após manobra acrobática com avião Learjet, pilotos são demitidos

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Learjet 31A, igual ao da ocorrência – Imagem ilustrativa: Anna Zvereva / CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons

A autoridade alemã de investigação de acidentes e incidentes da aviação, o BFU, publicou seu relatório sobre uma ocorrência que classificou como um “Incidente Sério” envolvendo um jato Learjet 31A que realizou uma manobra acrobática não permitida para o modelo.

O BFU destaca que se trata de uma investigação apenas de apresentação de fatos, ou seja, sem análises aprofundadas e conclusões. Veja a seguir como tudo ocorreu.

Histórico do voo

No dia da ocorrência, 28 de dezembro de 2018, a decolagem ocorreu às 10h22 no aeroporto London Biggin Hill, no Reino Unido. O aeroporto de destino era Faro, em Portugal.

Foi um voo de posicionamento sem passageiros, realizado sob as regras de voo por instrumentos. O Piloto em Comando (PIC) ocupava o assento esquerdo e era o piloto voando. O co-piloto ocupava o assento à direita e era piloto de monitoramento. Dois funcionários da empresa estavam sentados na cabine de passageiros.

A seguinte descrição de eventos é baseada em dados analisados ​​do Gravador de Dados de Voo (Flight Data Recorder – FDR) e declarações de testemunhas.

Após cerca de uma hora de voo, às 11h30, a aeronave estava no espaço aéreo português. Durante a descida, o PIC perguntou ao co-piloto se ele concordava em fazer um “roll” em torno do eixo longitudinal da aeronave.

A título de conhecimento para quem não é familiarizado com manobras acrobáticas, o “roll” no eixo longitudinal é o movimento em que o avião faz um giro completo de suas asas em torno da si mesmo, ficando de cabeça para baixo e retornando à posição normal. O vídeo a seguir, gravado também a bordo de um Learjet, mostra a manobra.

O co-piloto forneceu ao BFU uma declaração por escrito de que não concordava com a manobra de voo e que havia comunicado isso ao PIC.

De acordo com a declaração do co-piloto e os dados do FDR, o PIC desligou o piloto automático às 11h36min50s a cerca de 13.200 pés de altitude de pressão (PA) e voou o avião manualmente.

Às 11h37min10s, a cerca de 11.500 pés PA, duas curvas acentuadas com um ângulo de inclinação de cerca de 140° cada foram feitas para a esquerda e para a direita. Às 11h38min15s, o PIC conduziu o “roll” em torno do eixo longitudinal do avião, também a cerca de 11.500 pés PA. O nivelamento ocorreu 10 segundos depois.

A manobra de voo foi iniciada com 301 nós de velocidade indicada (IAS). Durante a rolagem, a velocidade diminuiu continuamente. O nivelamento ocorreu com 251 nós IAS. Durante o início da manobra de voo ocorreu um fator de carga máximo de +2,47g, que diminuiu continuamente para +1,00g.

Às 11h49, o pouso ocorreu no Aeroporto de Faro, Portugal.

Reporte da ocorrência

Em maio de 2019, a operadora do Learjet solicitou a outra empresa a leitura de rotina dos dados do FDR como parte do Monitoramento de Dados de Voo (FDM5). Após a leitura, a manobra de voo foi identificada devido aos dados de ângulo de rotação excepcionalmente altos. Em 4 de junho de 2019, a operadora relatou a ocorrência ao BFU.

Informações dos pilotos

O PIC de 44 anos detinha uma licença ATPL(A) emitida inicialmente em 20 de março de 2014, e com os seguintes tipos de aeronaves na data da ocorrência: Learjet 20/30, Learjet 45/75 e Piper PA31T/42.

O BFU recebeu um certificado médico de classe 1 válido até 16 de março de 2020. O PIC tinha uma experiência total de voo no Learjet 31A de 439 horas. Para o PIC, este era o primeiro voo do dia.

O co-piloto de 33 anos detinha uma licença ATPL(A) inicialmente emitida em 12 de dezembro de 2013, e com o tipo Learjet 20/30.

O BFU recebeu um certificado médico de classe 1, válido até 8 de junho de 2019. O co-piloto tinha uma experiência total de voo no Learjet 31A de 1.607 horas. Para o co-piloto, este era o primeiro voo do dia.

Manobras acrobáticas

O Manual de Operação do operador, na Parte-B-LJ31A, Capítulo Limitações, definia acrobacias como proibidas. O seguinte é um trecho do manual:

Manobras
– nenhuma manobra acrobática, incluindo giros, é aprovada;
– estols intencionais são proibidos acima de 18.000 pés com flaps e/ou trem de pouso estendidos.

Dados de voo

Devido à notificação tardia da ocorrência pelo operador, os dados do Gravador de Voz do Cockpit (Cockpit Voice Recorder – CVR) da ocorrência deixaram de estar disponíveis. Portanto, nenhuma gravação das comunicações de rádio ou das comunicações de cockpit entre os dois pilotos estava disponível.

O motivo mencionado acima também impossibilitou o BFU de ler os dados originais do FDR. Porém, a operadora forneceu ao BFU os dados do FDR que ela possuía gravados.

O gráfico a seguir mostra o comportamento dos parâmetros da aeronave durante a manobra, quando a velocidade indicada, altitude, ângulo de giro, ângulo de ataque, N1 dos dois motores, aceleração vertical e a posição do seletor do piloto automático.

Inspeção da aeronave

Após o conhecimento da ocorrência, a organização de manutenção do operador realizou um exame técnico da aeronave no dia 17 de maio de 2019. O BFU recebeu o relatório dos trabalhos realizados. Ele revela que nenhum dano foi encontrado.

Política de segurança do operador

O operador descreve em sua política de segurança no Manual de Operação, entre outras coisas, um procedimento para reconhecer riscos. Os funcionários são advertidos a relatar os riscos por escrito. A operadora trataria esses relatórios de forma confidencial.

Os seguintes são trechos do manual:
[…] Estabelecer e operar os processos de identificação de perigos e gestão de riscos, incluindo um sistema de relatório de perigos, a fim de eliminar ou mitigar os riscos de segurança das consequências dos perigos resultantes de nossas operações ou atividades a um ponto que seja tão baixo quanto razoavelmente praticável (ALARP) […]

[…] O Sistema de Conformidade e o SMS formam uma unidade. Todas as partes necessárias de cada sistema devem ser consideradas […]

[…] Política de Conformidade de Segurança e Declaração de Cultura de Segurança; Política não punitiva; Sistema de relatórios, incluindo relatórios anônimos […]

O operador também define as funções de um co-piloto no Manual de Operação. O seguinte é um trecho:

Em voo, o copiloto deve:
[…] Informar ao CMD automática e imediatamente se algo na operação do avião é considerada anormal ou se houver desvio de procedimentos prescritos, de autorizações ou do plano de operações[…]

Ação da operadora do avião

A operadora dispensou prontamente o PIC e o co-piloto de suas funções de voo após o conhecimento da ocorrência, e rescindiu o contrato de trabalho.

Ocorrência similar

Ao finalizar seu relatório, o BFU apresenta a seguinte ocorrência similar, que infelizmente levou à queda de outra aeronave executiva, um Cessna 550 B Citation Bravo, mostrando o risco de se realizar manobras não aprovadas:

O relatório final da investigação chega à conclusão de que a ocorrência foi uma manobra de voo proibida pelo fabricante da aeronave. Esses pilotos não eram licenciados ou certificados para realizar tal manobra. A manobra de voo terminou com a queda do Cessna 550 B Citation Bravo perto de Reinhardtsdorf-Schöna, na Sächsischen Schweiz (Suíça Saxônica).

Os resultados da investigação no relatório final do BFUCX0001-10 determinaram:

[…]Resultados da investigação:
Durante a subida, após atingir o nível de voo (FL) 270, a tripulação começou a fazer uma manobra de rolamento para a direita. Durante a manobra, a tripulação perdeu o controle da aeronave, a aeronave disparou em direção ao solo e caiu. Ambos os pilotos ficaram mortalmente feridos e o avião foi destruído.

O acidente foi devido a:

– A tripulação tentou realizar uma manobra de voo (roll) que não faz parte do transporte aéreo comercial.

– A tripulação sofreu perda de orientação espacial e, subsequentemente, não teve mais a capacidade de recuperar a atitude de voo.

Os seguintes fatores contribuintes:

– Os pilotos não eram treinados em acrobacias.

– Era noite e, portanto, não havia referências visuais.

– A relação entre os dois pilotos resultou no afastamento do comportamento profissional no que diz respeito à coordenação da tripulação.

– O avião não foi projetado nem certificado para acrobacias.
[…]

Informações do BFU. Para acessar o relatório, clique aqui.

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