Número de ações judicias contra empresas aéreas no Brasil chega a ser 5x maior que nos EUA

Foto: Aeroporto de Doha

A IATA publicou um artigo recentemente, no qual fala sobre o suposto excesso de processos e ações judiciais na aviação brasileira. Para a entidade, o excesso de judicialização na aviação brasileira deixa o país descolado do mundo, enquanto encarece a operação e o custo das passagens.

O artigo, que foi publicado no site em inglês da associação de empresas aéreas, está disponibilizado abaixo.

Resolvendo questões de litígio brasileiro

As raízes do problema remontam à década de 1990, quando o Supremo Tribunal Federal constatou que as disposições da Convenção de Varsóvia haviam sido substituídas pelo Código do Consumidor Brasileiro. Isso significou que os tribunais brasileiros aplicaram a regulamentação nacional – que é muito mais benéfica para os consumidores – para resolver disputas entre companhias aéreas e passageiros.

Ricardo Bernardi, Sócio e Especialista em Aviação do escritório de advocacia Bernardi & Schnapp, afirma que isso gerou diversos processos que ampliaram significativamente a responsabilidade das companhias aéreas de uma forma não prevista nas leis internacionais.

“Tais interpretações incluem o conceito de dano moral presumido (in re ipsa) com componente punitivo, aplicável em casos de perda ou atraso de bagagem, bem como atrasos ou cancelamentos de voos, mesmo que causados ​​por força maior ou segurança da aviação”, afirma. “Portanto, os passageiros comumente buscam indenização das companhias aéreas, independentemente do motivo do atraso ou cancelamento do voo e sem a necessidade de demonstrar ou produzir qualquer evidência de perda ou dano.”

Responsabilidade limitada

Houve desenvolvimentos nos últimos anos. Em 2017, por exemplo, foi decidido que a Convenção de Montreal prevalece sobre as disposições do Código do Consumidor. E seguindo os esforços da IATA, apoiados pela Secretaria de Aviação Civil (SAC) e pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), a legislação foi aprovada no Congresso Brasileiro em 2020 que limitou a responsabilidade das companhias aéreas por atrasos em voos fora de seu controle e mudou a ênfase sobre ações por danos morais.

De acordo com o Artigo 19 da Convenção de Montreal, as companhias aéreas agora não podem ser responsabilizadas se os atrasos resultarem das seguintes circunstâncias:

– Restrições de aterrissagem ou decolagem impostas pelas autoridades de controle de tráfego aéreo resultantes de condições meteorológicas adversas;

– Restrições de pouso ou decolagem resultantes da falta de infraestrutura aeroportuária;

– Restrições para voos, pousos e decolagens determinadas pelas autoridades da aviação civil ou outras autoridades governamentais;

– Declaração de situação de pandemia ou publicação de sentenças delas decorrentes, com o objetivo de proibir ou restringir serviços de transporte aéreo ou operações aeroportuárias.

Além disso, para reclamar o dano moral, o passageiro agora deve apresentar provas.

Mas Bernardi alerta que esforços contínuos são necessários para garantir que a nova lei e a Convenção de Montreal sejam interpretadas e aplicadas de maneira adequada. “Várias decisões recentes emitidas pelos tribunais ainda são adversas às companhias aéreas”, diz ele.

Mercadoria judicial

De fato, no Brasil, o litígio contra as companhias aéreas tornou-se uma “mercadoria judicial”. Essencialmente, as empresas oportunistas começaram a fomentar o litígio comprando direitos de indenização dos passageiros e processando as companhias aéreas para obter lucro ou se associando aos demandantes para processar e obter uma parte da indenização.

A escala do problema pode ser vista claramente nos números. Considerando três grandes companhias aéreas com sede nos Estados Unidos que também operam no Brasil, em 2019 os Estados Unidos viram aproximadamente um processo para cada 1,25 milhão de passageiros. No Brasil, havia um processo para cada 227 passageiros – quase cinco vezes mais. Na verdade, em 2019 o contencioso brasileiro de aviação cresceu 141%.

E embora Bernardi aceite que “algum progresso” foi feito desde esses números – em grande parte devido à nova legislação de 2020 – ele ressalta que a situação geral ainda é extremamente prejudicial para a aviação brasileira.

“Isso cria barreiras para a entrada de novas companhias aéreas, evitando o aumento da concorrência, o que beneficiaria o consumidor”, afirma. “Além disso, aumenta o valor das passagens devido à redução da concorrência e os custos decorrentes do alto volume de litígios e indenizações concedidas. Este subdesenvolvimento da indústria significa a perda de oportunidades de emprego”.

Bernardi conclui que é fundamental continuar os esforços para explicar aos tribunais brasileiros a importância da aplicação das regras e princípios estabelecidos pelos tratados internacionais e mostrar os efeitos nocivos da aplicação das leis locais, que não foram concebidas para regular a responsabilidade em viagens aéreas.

“Isso deve ser visto como um esforço constante e de longo prazo que, se perseguido com consistência e fundamentado nos fundamentos jurídicos corretos, trará a harmonização do sistema e criará novas oportunidades de desenvolvimento do transporte aéreo no Brasil, em benefício das companhias aéreas, passageiros e a comunidade como um todo”, afirma.

Carlos Ferreira
Carlos Ferreira
Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.

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