Início Colunas

O avião criado para jamais ser usado, mas mesmo assim fica de prontidão 24 horas por dia

Foto: U.S. Air Force

COLUNA “DO ALFINETE AO FOGUETE”, por MAURÍCIO PONTES

Recentemente, no dia 28 de julho de 2022, pousou na Base Aérea de Brasília o Boeing E-4B Nightwatch, uma variante customizada do versátil Boeing 747, modelo de sucesso que, além de transportar muitos passageiros, pode ter empregos nada usuais como servir de “Casa Branca Voadora” e até carregar em seu dorso os ônibus espaciais americanos.

O E-4B, em especial, é conhecido como “avião do Juízo Final”, e transportou o Secretário de Defesa estadunidense para a Conferência de Ministros da Defesa Americanos realizada no Brasil. A melhor analogia para o E4B é de uma super sala de crises, a mais protegida e eficaz do planeta, responsável por manter a capacidade C3I (Comando, Controle, Comunicações e Inteligência) do país num grave conflito ou disrupção.

O apelido assustador vem do contexto extremo para o qual foi criado: um conflito nuclear entre potências que poderia aniquilar parte da vida na Terra. Ao contrário do que muitos pensam, esta hipótese não é uma relíquia da Guerra Fria. A probabilidade de um conflito nuclear “está a um erro de cálculo” de se materializar, segundo declarou o Secretário Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) António Guterres na na abertura da 10ª Conferência do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares há duas semanas.

Enquanto escrevo esta coluna, Rússia e OTAN permanecem em um perigoso impasse sobre a questão ucraniana, e China e EUA medem forças após a visita da parlamentar americana Nancy Pelosi a Taiwan. Em suma, enquanto houver armas nucleares no mundo, este risco é significativo e vivemos um momento em que ele está em alta evidência. Por isso, ninguém quer ver o E4B decolar em modo crise e exercer plenamente as suas capacidades.

Foto: U.S. Air Force por Josh Plueger

Diferente do VC-95

A aeronave não deve ser confundida com outro icônico Boeing 747 adaptado, o VC-95 conhecido pelo callsign “Air Force One” quando o presidente dos Estados Unidos está a bordo. O emprego de ambos é diferente. O E4B tem por função servir de posto de comando avançado em caso de guerra.

Aliás, o Presidente deve estar a bordo do E4B se o pior acontecer, acompanhado do Secretário de Defesa e do Chefe Conjunto do Estado Maior das Forças Armadas. Sua autonomia é praticamente ilimitada, podendo ser reabastecido em voo, ficando limitado apenas pelo consumo de lubrificantes e outros fluidos que não podem ser trocados em voo.

Em seu teste de endurance permaneceu trinta e cinco horas em voo contínuo e numa situação superlativa real tem a capacidade de se manter voando ininterruptamente por uma semana. Este verdadeiro Pentágono voador é imune a EMP (pulso eletromagnético nuclear) de uma explosão atômica.

E-4B sendo reabastecido em voo – Foto: U.S. Air Force

Suas defesas a um ataque são obviamente confidenciais, mas considera-se o estado da arte em defesa aérea. A aeronave dispõe de três decks operacionais e incluindo seus quatro tripulantes operacionais (comandante, primeiro oficial, engenheiro de voo e navegador) tem capacidade para acomodar 112 pessoas.

Além do visual externo, pouca coisa restou nessa versão dos 747-200 dos quais foi adaptado: o cockpit original – ainda completamente analógico – considerado mais confiável que os confortáveis painéis glass cockpit, alguns bins (bagageiros superiores) e a clássica escada espiral que leva ao deck superior.

Foto: U.S. Air Force, por Lance Cheung

Conhecendo o avião por dentro

Basicamente, o deck central acomoda o staff senior, uma sala de situação com nove assentos, uma sala de briefing ou imprensa, o setor de planejamento estratégico, sala de comunicações e de monitoramento e manutenção. No deck inferior situam-se a área de carga e da incomum antena extensível de cinco milhas que possibilita a comunicação até com submarinos submersos. O domo acima do dorso acomoda pelo menos 67 antenas de satélite e torna a aeronave superior ao Air Force One em capacidade de comunicação.

Apenas EUA e Rússia, ao que se saiba publicamente, dispõem de aeronaves com esta capacidade e missão. Dos quatro E4B baseados em Omaha, um sempre está no ar (em regime de rodízio) e um normalmente acompanha o Air Force One em viagens ao exterior.

Em tempos de paz, sua missão é transportar o Secretário de Defesa em viagens internacionais e eventualmente colaborar em crises internas como desastres naturais, junto à FEMA (Agência Nacional de Gerenciamento de Emergências), por exemplo.

Mas não se engane, ele foi projetado e preparado para a situação mais extrema imaginável: o conflito nuclear total, a chamada Aniquilação Mútua Assegurada (MAD no acrônimo em inglês). Razão pela qual a aeronave, tão robusta e poderosa, foi feita para algo que nunca desejamos ver acontecer e serve de reflexão sobre a insanidade humana. Um avião feito para jamais ser utilizado.

O vídeo abaixo mostra algumas das áreas internas da aeronave.

Pano de fundo

O E-4B evoluiu do E-4A, que estava em serviço para os militares americanos desde o final de 1974. O primeiro modelo B foi entregue à Força Aérea (USAF) em janeiro de 1980 e, em 1985, todas as aeronaves foram convertidas para modelos B. Todas as aeronaves E-4B são atribuídas ao 595º Grupo de Comando e Controle (CACG) na Base Aérea de Offutt, Nebraska. O 595º CACG foi alinhado sob a Oitava Força Aérea em 1º de outubro de 2016.

Características gerais

Função principal: Centro de operações aerotransportadas
Construtor: Boeing Aerospace Co.
Propulsão: Quatro motores turbofan General Electric CF6-50E2
Empuxo: 52.500 libras cada motor
Comprimento: 70,5 metros
Envergadura: 59,7 metros
Altura: 19,3 metros
Peso máximo de decolagem: 800.000 libras (360.000 kg)
Resistência: 12 horas (sem reabastecimento)
Teto: acima de 30.000 pés (9.091 metros)  
Custo unitário: $ 223,2 milhões
Ocupantes: até 112
Data de implantação: janeiro de 1980
Inventário: força ativa, 4 unidades

Mauricio Pontes é piloto de aviões, de automobilismo e jornalista. Atua como gestor de crises e palestrante sobre variados temas e é CEO da C5i Consultoria de Riscos e Crises (www.c5icrisis.com). Vivenciou a aviação desde os 16 anos no volovelismo, dedicou 30 anos de vida à segurança de voo, passou por empresas como TAM e ING, foi membro  fundador da Azul Linhas Aéreas e Head de Crises do Aeroporto Internacional de São Paulo.
Sair da versão mobile