O dia em que um jato executivo quase afundou uma fragata americana

Uma batalha naval entre um dos mais modernos navios militares da época e um jato executivo adaptado pode parecer absurdo, mas aconteceu nos anos 1980.

Essa história gera teorias até hoje, mas aconteceu durante a longa Guerra Irã-Iraque, a mesma que colocou o preço do petróleo nas alturas, desastabilizou os Golfos Pérsico e de Omã, e também teve uma etapa conhecida como “Guerra dos Navios Petroleiros”, já que este tipo de navio era constante alvo de ataques de aviões militares de ambos os lados, visando minar a capacidade econômica do inimigo.

Para evitar uma escalada na região e fechamento do Estreito de Ormuz, uma coalização internacional liderada pelos EUA e OTAN, colocou navios militares em águas internacionais na região, a fim de escoltar navios que não fossem do Irã ou Iraque.

Dentre um dos navios estava o USS Stark, uma fragata da classe Oliver Hazard Perry, que escoltava tanqueiros estrangeiros. Para estabelecer controle do espaço aéreo na região, a coalização utilizava um Boeing E-3 Sentry (um 707 modificado com um radar aéreo).

Em certa ocasião, esse radar detectou um jato iraquiano voando golfo adentro e chegou a alertar dois caças F-15 da Arábia Saudita, que não ordenou o ataque.

Mirage F1 do Iraque que foi embargado pela França após a invasão do Kuwait © José Luis Celada Euba

O USS Stark detectou o avião voando em várias direções e julgou ser um Mirage F1 pilotado por um piloto novato iraquiano, não dando muita atenção para a aeronave. A medida que o jato ia se aproximando do navio americano foram emitidos avisos para ele se identificar, mas sem resposta.

A bordo da aeronave, que seguia na direção do navio americano, o piloto travou a mira no USS Stark e disparou dois mísseis anti-navio Exocet, um dos mais populares no mundo. Um marinheiro da fragata chegou a ver o brilho do míssil vindo na direção da embarcação, mas achou que era reflexo da luz da lua naquela noite de maio de 1987.

Na medida em que o míssil se aproximava, outros avisos de identificação foram emitidos, mas o radar do navio não conseguia detectá-los, já que voavam colados no mar, abaixo da linha de detecção.

USS Stark na manhã após o ataque © US Navy

O sistema de defesa automático de proximidade do navio (CIWS) chegou a ser ativado, mas ficou em modo de espera, e não no modo ativo, uma condição em que iria travar e atirar contra as ameaças.

Sendo assim, apenas uma pessoa na ponte avistou o míssil a segundos do impacto, restando apenas alertar os colegas e se abrigarem. O primeiro míssil atingiu o meio do navio e o atravessou. Por sorte, sua ogiva não explodiu, mas o combustível do próprio foguete causou um grande incêndio. Já o segundo míssil atingiu em cheio a parte de trás do navio e, esse sim, causou uma grande explosão.

USS Stark e o buraco do primeiro míssil Exocet © US Navy

Depois disso, o navio ficou às cegas, e utilizando um rádio de um helicóptero a bordo foi possível pedir ajuda, que só chegou 5 horas depois.

Ao todo morreram 37 marinheiros (um quinto da tripulação do navio) e 21 ficaram feridos. O USS Stark ficou bastante danificado mas não afundou já que o casco estava praticamente intacto. Ele foi rebocado por um navio-vigia e reparado num porto próximo, tendo voltado à ativa.

Era um Dassault, mas não um Mirage

Inicialmente, o reporte era de que o ataque havia sido feito por caças Mirage F1, porém estes são equipados apenas com um míssil Exocet. Ao mesmo tempo, dados do radar do E-3 apontavam para apenas um avião. A dúvida que pairava era, então, sobre os dois mísseis disparados contra a embarcação dos EUA.

Logo depois começaram a surgir informações que o ataque fora feito pelo Falcon 50, um jato executivo da mesma fabricante do Mirage, a francesa Dassault Aviation.

O Falcon 50 foi um dos primeiros jatos executivos de sucesso no mundo, sendo uma evolução do pioneiro Falcon 20. Este jatinho era operado pelo Irã e teve instalado um radar Cyrano IV-C5 no seu nariz, como várias fotos da époce puderam confirmam, sendo empregadoa como “avião adversário” para treinamento dos piloto de Mirage.

Vários reportes apontam que um Falcon, de matrícula YI-ALE, foi modificado para ter dois pontos duros na asa, onde os mísseis Exocet seriam apoiados. Batizado de Sussana, o Falcon 50 já havia sido visto em propagandas iraquianas equipado com um míssil na sua barriga, demonstrando que o país tinha conseguido adaptar o jato executivo à função militar.

Após o ataque, o Iraque e Saddam Hussein admitiram a autoria e pediram desculpas formais aos EUA (então aliado oculto na época), e inclusive pagaram indenização as famílias dos marinheiros mortos.

O comandante do navio e outros oficiais foram punidos com aposentadoria compulsória devido à não reação diante dos sinais de um ataque de uma aeronave suspeita.

As tensões na região continuariam altas e, no ano seguinte, também por engano, um navio americano derrubaria um Airbus A300 da Iran Air, matando todos os 290 passageiros a bordo. Assim como no ano anterior, o atacante (EUA) reconheceu o erro, pediu desculpas, retirou oficiais e pagou uma indenização.

O caso do USS Stark é detalhado numa bela animação do canal Operations Room que você confere abaixo:

Carlos Martins
Carlos Martins
Fascinado por aviões desde 1999, se formou em Aeronáutica estudando na Cal State Long Beach e Western Michigan University. #GoBroncos #GoBeach #2A

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