O que aconteceu a bordo do mais longo voo doméstico feito por um avião brasileiro

Um voo doméstico de longa duração, com tripulação brasileira e avião nacional, algo impensável anos atrás mas que hoje é possível experimentar. O AEROIN embarcou nesta viagem.

A rota inédita, e única a ligar São Paulo à ilha de Fernando de Noronha, é atualmente operada pelos jatos Embraer E195 E2 da Azul Linhas Aéreas, aviões fabricados em São José dos Campos, cidade do interior não tão distante do aeroporto de Congonhas no coração da capital paulista, de onde partiu o voo feito pelo AEROIN.

Com capacidade para 136 passageiros, o jato brasileiro tem alcance de 4.815 km, mais do que suficiente para voar até a paradisíaca ilha, ou, se necessário, desviar o voo para o continente.

Contexto da jornada

A jornada, a lazer, começou no check-in da Azul, feito às 07h30, ou 1h20 antes do horário de decolagem.

Na época que este voo foi feito, há menos de um mês, ainda era necessário apresentar um teste de coronavírus negativo (antígeno ou PCR), feito entre até 72 horas antes do voo, no caso do PCR. Por estar vacinado com as três doses desde janeiro e menos preocupado com a Covid, o representante do AEROIN fez o teste rápido antígeno, que também é mais barato, o qual foi apresentado no balcão de check-in, que estava vazio naquela hora.

E2 sempre sai da remota

O embarque do voo ocorreu no portão 18, uma posição remota no aeroporto de Congonhas.

Todos os voos com o E195 E2 nesse aeroporto são atendidos de maneira remota, ou seja, quando se usa um ônibus para levar os viajantes até a aeronave. O motivo disso é que o E2 precisa ser homologado para usar as pontes de embarque, uma vez que é maior, em comprimento, do que o Airbus A320neo e o Boeing 737 MAX 8, que são os maiores aviões que operam em Congonhas atualmente.

Por conta do supracitado, caso o E2 fosse para o portão de embarque, que fica “de costas” para uma pista de táxi, ele ficaria com a cauda para fora da área delimitada, entrando na rota de conflito com os aviões taxiando para decolagem.

Imagem: Gilson Coscia

Passageiros expulsos

Após uma rápida passagem pelo raio-x, já que final de semana pela manhã não é o horário do rush em Congonhas, estivemos apresentados no portão de embarque, onde acontecia uma certa discussão entre passageiros e funcionários da Azul.

O motivo era a falta de documentação de saúde, especialmente a comprovação de vacina e o teste de Covid. No caso, uma família de quatro pessoas não tinha feito os testes, e um outro homem não tinha levado o comprovante de vacinação, e tentava baixar o aplicativo do DataSUS para conseguir mostrar aos funcionários. Os cinco passageiros que estavam sem a papelada acabaram ficando para trás, e no final seriam apenas 80 pessoas no voo.

Após um rápido deslocamento pelo pátio, os passageiros estavam à beira da porta do jato brasileiro E195 E2. O primeiro detalhe que chama a atenção no avião é sua altura interna, que dá uma sensação de amplitude bastante interessante.

No caso do AEROIN, a viagem foi na fileira 15, na saída de emergência que reclina, e se torna um Espaço Azul (uma Economy+) devido ao espaço maior para pernas. Logo após sentar, o nosso representante viu que espaço para pernas não seria problema, mesmo com seu 1,82 de altura.

A nova saída de emergência

O espaço extra do assento e o divisor entre assentos deu um aspecto de “cabine executiva” para a saída de emergência, que é composta por duas fileiras, e não apenas como no E1.

“Em caso de emergência, após o comando de algum de nós, vocês abrirão a saída de emergência puxando-a através da alavanca, e empurrando para cima e para fora, ela abrirá para cima e vocês poderão sair se não tiver nada obstruindo lá fora”, afirmou a tripulante.

O comum em jatos Embraer da geração passada era “empurre a janela para fora da aeronave” ou “retire a janela para dentro e comece a sair”, mas ela abrir para cima é algo diferente e interessante do jato Embraer E2.

Ao ler o cartão de segurança da aeronave, nota-se o motivo: as saídas de emergência do E2 não são completamente removíveis, e sim basculantes para cima, presas por uma dobradiça. Segundo uma pessoa que trabalha na Embraer, que consultamos, o E2, apesar de ser baseado no E1, tem uma fuselagem nova e foi certificado quando já se exigia que a saída de emergência ficasse presa ao avião.

Como o E2 é mais alto que o E1, ele também precisou de uma escorregadeira nas asas, algo que não tinha na primeira geração. Uma coisa acabou levando à necessidade da outra no processo de certificação.

Esta necessidade da janela estar presa visa, principalmente, a não ter obstrução no corredor de saída, e também facilitar a vida do passageiro que vai operar a saída de emergência.

Você lá em cima, literalmente

Com a decolagem autorizada, os pilotos frearam a aeronave e aplicaram potência máxima, para saírem “a todo vapor”, e assim foi feito, mas a aeronave decolou fácil, após percorrer em torno de 1.400 metros de pista (a pista principal de Congonhas tem pouco mais de 1.900 metros).

Foram 25 minutos de subida até o nível de voo FL390 (11.880 metros de altitude), apenas 2 mil pés (609 metros) abaixo do limite operacional do avião, que foi atingido já em Minas Gerais, sendo que ficaria nesta altitude até chegar perto da Ilha, mantendo uma velocidade média de 450 nós (833 km/h).

É raro aviões domésticos voarem tão alto no Brasil, por questões de duração do voo, performance e distância a ser percorrida, mas por ser o segundo voo mais longo do país, perdendo apenas para o Campinas – Boa Vista da própria Azul, que é operado pelo Airbus A320neo, a lógica de quanto mais alto, melhor e mais econômico, vale a pena.

Sobrevoando Salvador da Bahia no FL390

Sem TV no dia, mas com Wi-Fi

O E195-E2 da Azul está equipado com uma gama de entretenimento, mas infelizmente, no dia, a TV Ao Vivo estava indisponível, o que seria de bom grado num longo voo. Para amenizar, a internet sem fio (Wi-Fi) estava funcionando normalmente, sendo possível conversar pelo WhatsApp, enviar e receber vídeos curtos, e até assistir uma rápida pelo YouTube.

No voo, não houve serviço de bordo, em atendimento à determinação da Anvisa, por conta da pandemia.

Plástico zero, pero no mucho

Já próximo da ilha e com a descida iniciada, os comissários fizeram uma chamada de bordo, falando que iriam recolher todo o lixo, principalmente as garrafas de plástico, já que Noronha tem política de plástico zero.

Apesar de interessante e importante, a chamada a bordo destoa do fato de isso não ser totalmente uma prática na Ilha, já que garrafas de plástico são vendidas normalmente. Ao menos, vale ressaltarque o lixo nas ruas da ilha e na praia é praticamente inexistente, sendo um local altamente conservado.

Chegada no Paraíso

O pouso em Noronha foi feito pela cabeceira 12, sendo visível na aproximação a famosa Enseada do Portão e passando em cima da Praia do Sancho, eleita várias vezes a mais bonita do mundo.

A frenagem do E195-E2 foi tranquila nos 1.850 metros de pista que tem Noronha. Após a aterrissagem, os pilotos deram a meia-volta na pista, sendo visível o Morro do Pico, maior símbolo de Noronha que, para alguns, parece a face de um gorila.

O táxi até o pátio foi rápido apesar de ter que passar pela taxiway A, já que a B está fechada devido afundamento do pavimento. O desembarque foi feito por fileiras seguindo ainda as regras da pandemia, mas foi rápido, logo após descer da aeronave é irrestível não tirar uma foto do avião junto da Ilha, destacando o que há de melhor no Brasil.

Voo direto, sem dúvida

De maneira geral o voo direto entre Congonhas e Fernando de Noronha acaba sendo a melhor opção para quem está no Sul ou Sudeste e quer conhecer a Ilha, já que evita a escala em Recife, que torna a viagem um pouco mais cansativa. O conforto do E195 E2 faz valer a pena o voo direto.

No momento em que esta publicação foi escrita, uma consulta aos buscadores de passagens colocava o voo direto mais barato que outros com escala, inclusive da concorrente Gol.

O horário de chegada, em torno das 13h30, permite que o turista faça a “alfândega”, que é agilizada caso o passageiro já tenha pago a taxa de preservação da Ilha (R$87,50 por dia para brasileiros), e ainda almoce e curta um bom tempo de praia.

Por fim, o custo da Ilha, incluindo o voo, não é dos mais baratos, mas tudo gira em torno do fato do local exigir preservação, além de não ter como expandir, por razões óbvias. Ainda assim vale a experiência de um passeio 100% nacional, num refúgio completamente brasileiro.

Carlos Martins
Carlos Martins
Fascinado por aviões desde 1999, se formou em Aeronáutica estudando na Cal State Long Beach e Western Michigan University. #GoBroncos #GoBeach #2A

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