Pilotos colidiram o avião com o solo antes da pista devido fadiga, no acidente de Lviv em 2019

A Agência Nacional de Investigação de Acidentes Aéreos (NBAAI) da Ucrânia apresentou, há poucas semanas, o Relatório Final com a causa provável e os fatores contribuintes do acidente em que um avião Antonov An-12 atingiu o solo pouco antes de chegar à pista para a qual fazia sua aproximação.

Na ocasião, em 4 de outubro de 2019, o Antonov AN-12 cargueiro da UAA Ukraine Air Alliance, registrado sob a matrícula UR-CAH, estava realizando voo de Vigo, na Espanha, para Lviv, na Ucrânia, com 7 tripulantes e um escoltador de carga, e uma carga de 13 toneladas consistindo de peças automotivas.

Porém, durante a aproximação para Lviv, cerca de 7,4 milhas náuticas (13,7 km) antes do aeroporto, a aeronave desapareceu do radar e foi posteriormente encontrada acidentada cerca de 0,8 milha náutica (1,5 km) antes da cabeceira da pista 31, em meio à vegetação perto de um estádio de futebol e um cemitério. Cinco ocupantes morreram e três foram levados para hospitais com ferimentos.

A aeronave estava programada para operar de Vigo a Bursa (Turquia), com escala para reabastecimento em Lviv. A tripulação reportou que houve uma tentativa de pouso de emergência por falta de combustível.

A sequência dos fatos

De acordo com informações do Aviation Herald, a NBAAI descreveu a sequência de eventos durante a aproximação final da seguinte forma:

– Às 03:40:01, a tripulação relatou a captura do sinal do localizador da pista 31;

– Às 03:40:27, o controlador de tráfego aéreo de aproximação informou à tripulação as alterações na condição de visibilidade da pista 31, com neblina: no ponto de toque, visibilidade de 800 metros; no meio da pista, 800 metros; no final da pista, 750 metros; e visibilidade vertical de 60 metros;

– Às 03:41:47, a tripulação contatou o controlador da Torre e, após alguns segundos, relatou que estava fazendo a aproximação ILS (pouso por instrumentos) para a pista 31;

– Às 03:41:58, o controlador informou à tripulação que o vento era nulo na pista 31 e que o pouso estava autorizado. A tripulação confirmou a autorização de pouso.

De acordo com os dados dos gravadores de voo, no momento do final do voo, a partir da distância de 6 km até a cabeceira da pista, a aeronave desceu significativamente abaixo da trajetória de descida.

Em particular, a uma distância de 1,8 milha náutica (cerca de 3,3 km) do ponto de toque, a aeronave desceu até a altitude de 100 metros e continuou o voo quase na metade da altitude correta da aproximação.

Na altitude de 60 metros, soou o alarme de que a altura de decisão havia sido atingida, ao qual nenhum tripulante respondeu com alguma ação.

À distância de 1.359 metros da cabeceira da pista, na altitude de 5 a 7 metros, a aeronave colidiu com árvores e impactou o solo.

– Às 03:43:37, o transponder da aeronave respondeu pela última vez ao radar de vigilância do aeródromo.

– Às 03:49:03, o sinal de alarme do aeroporto de Lviv foi acionado pelo controlador da Torre. A localização da aeronave foi detectada pela equipe de resgate às 04:41.

Constatou-se que todos os sistemas aeroportuários (em particular o ILS) operaram normalmente de acordo com todos os requisitos.

Descobertas e análises da investigação

Após a investigação, a NBAAI relatou que todos os motores e hélices estavam funcionando no momento do acidente, e que os motores responderam adequadamente aos comandos da tripulação.

O sistema de combustível estava funcionando, e fornecendo combustível conforme necessário caso fosse utilizado o modo de decolagem (para uma arremetida) desde o momento do acidente até a aeronave parar por completo. Nenhum defeito ou mau funcionamento técnico foi encontrado na aeronave ou em qualquer um de seus sistemas.

A NBAAI analisou que o desempenho da aeronave até atingir 6.600 metros sugere que a aeronave estava com sobrepeso. A aeronave atingiu o nível de voo inicial (FL240, ou 24 mil pés) 96 minutos após a partida.

Devido à ausência de atribuição de voo, de diário de bordo, e de cálculos de peso de decolagem e CG da aeronave, realizados pela tripulação antes da partida, a Equipe de Investigação não conseguiu estabelecer com precisão o peso de decolagem e CG da aeronave.

Mas tendo em conta as informações recebidas do aeroporto de Vigo sobre o peso da carga comercial, os documentos da carga, a quantidade de combustível abastecida e as informações recebidas da comunicação da tripulação, a Equipe de Investigação calculou que o peso da aeronave durante a partida poderia ser de 66.400 kg.

Portanto, o peso de decolagem possivelmente excedeu o peso máximo de decolagem em até 5.400 kg, uma vez que, de acordo com o Manual de Operação de Voo de Aeronave An-12BK, o peso máximo de decolagem é de 61.000 kg.

A NBAAI relatou que havia 650 kg de combustível remanescente durante a aproximação do acidente. Cerca de 170 litros de combustível puderam ser drenados dos tanques das asas dos destroços, já que os tanques das asas não foram danificados.

Fadiga e consequências

A tripulação partiu de Vigo sem descanso necessário, portanto, não cumpriu com os regulamentos de horas de trabalho e tempos de descanso.

De acordo com o Manual de Operação de Voo, o trem de pouso deve ser estendido antes que os flaps sejam estendidos para a posição 15º, a uma distância de pelo menos 18 km da cabeceira. A tripulação baixou o trem de pouso com 13,9 km, um atraso de 4 km.

A uma distância de 4,7 até 4,4 km, a tripulação ampliou os flaps para 35º. A aeronave estava abaixo da trajetória de descida e continuou a descer. Com 3 a 4 segundos depois que os flaps foram estendidos, a potência dos motores externos aumentou e mas a razão de descida começou a aumentar.

De acordo com o Manual de Operação de Voo, os flaps devem ser estendidos a 35º antes da entrada na trajetória de descida a uma velocidade de 280 a 300 km/h. Os flaps em 35º foram estendidos muito mais tarde, quando faltavam 4 km para a pista.

De acordo com o Manual de Operação de Voo, a extensão dos flaps de 15º para 35º é acompanhada pela tendência da aeronave em inclinação do nariz para cima (aumento do ângulo de ataque) e queda perceptível na velocidade de planeio. Portanto, essa tendência deve ser combatida por um movimento suave do manche para a frente e, se necessário, aumento da potência do motor. Com a aeronave abaixo da trajetória correta de descida, a situação tornou-se perigosa.

A uma altitude de 60 metros, a uma distância de 1.980 metros da cabeceira da pista, o alarme do rádio-altímetro “Altitude de Decisão” foi acionado, mas nenhum tripulante respondeu, mesmo sem ter condição visual, e a aeronave continuou a descer.

De acordo com o Manual de Operação de Voo, se um alarme de rádio-altímetro for acionado para estabelecer um contato visual confiável com as luzes do equipamento de iluminação do aeródromo ou outros pontos de referência ao longo do curso de pouso, uma manobra de arremetida urgente deve ser iniciada.

A uma distância de 1.670 metros da cabeceira da pista, a velocidade vertical (razão de descida) era de 4 m/s, a altura era de 48 metros (40 metros abaixo da trajetória de aproximação) e a velocidade era de 244 km/h.

De acordo com o Manual de Operação de Voo, a razão de descida com peso de pouso de 50-55 e flaps 35º deve ser 270 km/h. Assim, a tripulação não controlou a velocidade e voou a uma velocidade 26 km/h inferior à estabelecida no manual.

A uma altura de cerca de 30 metros do nível da pista (20 metros acima da superfície do solo na região), 2 a 3 segundos antes da colisão com árvores, o profundor foi alterado para inclinação de cerca de 75% do valor máximo, mas essas ações não foram o suficiente para reduzir a taxa de descida.

A aeronave continuou a descer a uma velocidade vertical de 6 m/s. A uma altura de 5 a 7 metros da superfície do solo, a uma distância de 1.500 a 1.600 metros da cabeceira da pista, colidiu com árvores. Após a colisão com árvores, a gravação de dados de voo foi interrompida.

Fator contribuinte

O relatório da NBAAI aponta que o baixo combustível restante durante a aproximação, devido ao maior consumo em voo por consequência do peso excessivo na decolagem, que não permitia desviar para o aeroporto mais próximo, o Kiev Borispol, foi fator contribuinte para a tripulação não ter desistido da aproximação em condições fora do padrão.

Causa provável

Segundo os investigadores da NBAAI, a causa mais provável da colisão de aeronave com o solo, durante a aproximação de pouso em meio a nevoeiro denso, foi a falha da tripulação em realizar o voo nas condições instrumentais, devido ao provável cansaço físico excessivo (fadiga), que levou à inconsciente descida da aeronave abaixo da trajetória de planeio e impacto no solo.

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

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