O dia em que um pouso duro destruiu um DC-10 a ponto de desativar o gravador de dados

Receba essa e outras notícias em seu celular, clique para acessar o canal AEROIN no Telegram e nosso perfil no Instagram.

Relembramos hoje um marcante incidente em que um pouso duro, ou seja, um toque da aeronave na pista mais forte do que o normal, foi tão extremo que destruiu a fuselagem de um DC-10 e até mesmo desativou o gravador de dados de voo.

As imagens que você viu no vídeo acima são de 6 de maio de 2009, quando a aeronave, referida pelo Conselho Nacional de Segurança de Transporte (NTSB – National Transportation Safety Board) dos Estados Unidos como “Boeing DC-10-30”, registrado sob a matrícula N139WA e operado pela companhia aérea World Airways no voo de número 8535, experimentou um pouso terrivelmente duro na pista 10 do Aeroporto Internacional Washington-Thurgood Marshall, em Baltimore, EUA.

Após o grave incidente, a tripulação de voo arremeteu e pousou na pista 33L. O voo era um voo internacional não regular de passageiros, e partiu de Leipzig, Alemanha. O trecho foi operado sob um contrato com o Comando de Mobilidade Aérea do Departamento de Defesa dos EUA, transportando tropas que retornavam do Iraque.

O primeiro oficial (copiloto) sofreu uma grave lesão no pescoço. O comandante, o engenheiro de voo e 9 comissários de bordo tiveram ferimentos leves. Não houve feridos adicionais relatados entre os 168 passageiros. A aeronave sofreu danos substanciais.

Como o incidente ocorreu

Nos instantes antes de pousar, o avião iniciou uma manobra de “flare” (arredondamento para o toque na pista) com “pitch up” (nariz para cima) a cerca de 45 pés (13,7 metros) acima da cabeceira da pista. O trem de pouso principal (MLG – Main Landing Gear) pousou primeiro como previsto, com o avião em uma atitude de nariz para cima de cerca de 5,5 graus.

O pico de aceleração vertical registrado neste toque foi de 1.6G e a tripulação relatou que foi um toque “firme”. O avião saltou ligeiramente, estendendo novamente os amortecedores do trem de pouso principal e ficando no ar novamente.

O comandante percebeu o salto do avião e o nariz inclinado para cima, e tentou restabelecer uma atitude normal de pouso. Os dados registrados mostram a coluna de controle sendo deslocada da posição de “puxar” usada durante o “flare” para “empurrar” por dois segundos.

A atitude de “pitch” diminuiu rapidamente. Conforme a taxa de inclinação do nariz para baixo aumentou, a posição da coluna de controle voltou para “puxar”, mas o trem de pouso do nariz (NLG – Nose Landing Gear) atingiu a pista em uma atitude de inclinação registrada como nariz abaixo de zero e o gravador de dados de voo (FDR – Flight Data Recorder) registrou um pico de aceleração vertical de 2.8G.

O gravador de voz do cockpit (CVR – Cockpit Voice Recorder) gravou um som consistente com a ativação da alavanca do “spoiler” (o freio aerodinâmico que se eleva sobre as asas), mas logo depois o engenheiro de voo chamou “sem spoilers”. A posição do “spoiler” e de sua manopla não foi um parâmetro registrado neste avião, no entanto, os analistas de desempenho da Boeing observam que é possível que os “spoilers” tenham sido recolhidos devido ao avanço das manetes de potência.

A atitude de nariz então se recuperou, atingindo uma inclinação de 10 graus para cima em menos de dois segundos. Ambos os pilotos relataram que o nariz se elevou muito rapidamente. A coluna de controle voltou a “empurrar” e os motores 1 e 2 ganharam potência.

A elevação do nariz então começou a cair rapidamente até o NLG impactar a pista uma segunda vez, com um pico de aceleração vertical registrado acima de 3.2G. Algumas perdas de dados do FDR foram observadas neste ponto, pois o gravador foi desativado pela força do impacto.

Os motores 1 e 2 estavam acelerando em aproximadamente 85% N1 no momento do segundo impacto do NLG e o motor 3 estava acelerando em cerca de 50%. A atitude de inclinação positiva do nariz se recuperou novamente e uma arremetida foi iniciada, com todos os 3 motores em potência de subida.

Fumaça apareceu na cabine durante a subida, que a tripulação diagnosticou como um superaquecimento de um componente elétrico. Alguma instrumentação de atitude foi perdida, as unidades de referência inerciais foram danificadas e deslocadas e o sistema hidráulico nº 1 falhou.

O comandante declarou emergência ao Controle de Tráfego Aéreo (ATC). O controlador da Torre do aeroporto informou à tripulação que eles pareciam ter danificado o trem de pouso do nariz e deixado destroços na pista.

O controlador encarregado ativou o telefone de emergência e chamou um “Alerta II” notificando o equipamento de resgate e combate a incêndio do aeroporto e também notificou a autoridade do aeroporto. O voo foi vetorado (direcionado pelo controlador de tráfego) para uma aproximação visual à pista 33L, permanecendo em condições visuais e utilizando instrumentos de reserva devido às falhas de instrumentação.

A tripulação do cockpit então se preparou para um pouso com os pneus do nariz estourados e se comunicou duas vezes com a tripulação de cabine para se preparar para um pouso de emergência.

O pouso e a rolagem na pista 33L foram bem-sucedidos, sem mais incidentes, e os veículos de emergência que estavam parados próximos à pista responderam imediatamente quando o avião parou. A aeronave foi perdida devido à severidade dos danos, com muitas partes estruturais deformadas, conforme você pôde ver no vídeo do início desta matéria.

Com informações do NTSB

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

Veja outras histórias