Protocolado no TCU pedido de cautelar contra a 7ª rodada de concessões de aeroportos

Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, foco do questionamento da ABAG

A Associação Brasileira de Aviação Geral (ABAG) informa que protocolou no dia 07/04 no TCU (Tribunal de Contas da União) uma representação com pedido de cautelar em face das irregularidades constatadas na Sétima Rodada de Concessões Aeroportuárias promovida pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), cuja modelagem proposta nos estudos do edital prevê a exclusão da aviação geral do Aeroporto de Congonhas a partir de 2023.

No entendimento da ABAG, foram considerados nos estudos a interrupção dos contratos de cessão de uso de área vigentes sem a previsão de pagamento de indenizações relativas aos prejuízos decorrentes da extinção da aviação geral em Congonhas, os impactos urbanísticos da operação da aviação comercial no sítio aeroportuário e a própria política pública estabelecida para o desenvolvimento da aviação geral no país.

Além disso, a opção por considerar na modelagem a exclusão da aviação geral do Aeroporto de Congonhas jamais foi devidamente motivada. A questão é especialmente grave considerando a ausência de qualquer solução capaz de viabilizar a continuidade das operações da aviação geral em São Paulo, bem como o fato de que o Aeroporto de Congonhas é o grande hub da aviação geral no país.

A aviação geral é responsável pela conectividade aérea entre grandes centros e cidades menores: dos mais de 3 mil aeródromos do país, a aviação comercial atende pouco mais de 100 aeroportos. Para as demais 2.900 localidades, a população depende unicamente da aviação geral, que representa 95% da frota brasileira, em um segmento que inclui todos os tipos de operações aéreas com aeronaves de asa fixa e rotativa, exceto as companhias aéreas e as operações militares.

A aviação geral exerce funções de interesse público que a aviação comercial não é apta a exercer ou não exerce na prática, tais como o transporte aeromédico de passageiros enfermos, especialmente aqueles provenientes de locais onde não há possibilidade de atendimento hospitalar adequado e que devem ser encaminhados a grandes centros urbanos para tratamento; e o transporte de órgãos destinados a transplantes, insumos, remédios, equipamentos e equipes médicas e vacinas para locais onde a aviação comercial não está apta a realizar voos, considerando as dimensões continentais do nosso país.

Inclusive, durante o período de pandemia, foi a aviação geral que, por meio de empresas de táxi aéreo, viabilizou o salvamento de incontáveis vidas e impediu a paralisação total do setor aéreo no Brasil, uma vez que desde março de 2020, quando decretado o estado de emergência de saúde pública, a aviação comercial vivencia sua maior crise na história. Isto ocorreu porque as companhias aéreas foram obrigadas a reduzir drasticamente a oferta de seus serviços em virtude das medidas de contenção da contaminação pelo Covid 19. Sendo assim, é inegável a relevância da aviação geral.

A não continuidade das operações da aviação geral em São Paulo é extremamente grave, uma vez que não existem alternativas viáveis de outros aeroportos na região para o regular desenvolvimento das atividades relacionadas à aviação geral. Os demais aeroportos da região carecem de infraestrutura adequada e estão localizados a grandes distâncias dos principais pontos de interesse da capital.

A operação seria inviável inclusive no Aeroporto do Campo de Marte, uma vez que a aviação geral demanda áreas disponíveis para os hangares e pista com características do citado aeroporto. Cumpre também notar que os equipamentos e sistemas de Congonhas fazem-se necessários para a previsibilidade da atuação das operações do Campo de Marte.

Portanto, fica evidente que a exclusão da aviação geral do Aeroporto de Congonhas inviabilizaria a continuidade de atividade das empresas do ramo, com prejuízos significativos para diversos setores da economia que necessitam dos serviços prestados pela aviação geral em seus negócios.

É especialmente deletério que a exclusão pretendida tenha sido incluída nos estudos do leilão sem qualquer diálogo prévio com o setor a respeito do assunto, e que os documentos atualizados tenham sido submetidos pela ANAC ao TCU sem refletir nenhuma das diversas contribuições submetidas pelo setor na Audiência Pública promovida pela ANAC no final de 2021.

A exclusão da aviação geral do Aeroporto de Congonhas ignora que não há alternativa efetivamente viável no município de São Paulo que atenda às necessidades da maior parte dos voos não regulares operados pela aviação geral.

A utilização de aeroportos fora dos limites da cidade implica em deslocamentos por via terrestre superiores a uma hora para chegar ao centro da cidade – dependendo do horário, bem mais do que isso –, inviabilizando não só o transporte de muitos passageiros, mas impactando em demasia o atendimento aeromédico. Isto coloca em risco a eficácia da atividade com escopo principal de salvar vidas, uma vez que os maiores e melhores hospitais do país estão localizados em regiões centrais da cidade.

Segundo a ABAG, nem se deve dizer que o Aeroporto do Campo de Marte seria uma opção. Ele não possui capacidade de receber aeronaves de alta performance e tampouco condições de atender a toda a demanda da aviação geral. Além de dificuldades como a distância maior para a Zona Sul; os conflitos com associações de moradores do entorno por aumento de ruído, trânsito e risco à população; o risco de inundação no aeroporto, no entorno e no trajeto para a Zona Sul; e a necessidade de realocação do Aeroclube de São Paulo e das escolas de aviação em outro aeródromo para viabilizar aumento das operações, o que traria um prejuízo adicional à aviação geral.

Para um futuro próximo, a situação é ainda pior, pois o planejamento de expansão de Congonhas e do Campo de Marte não são coordenados. A previsão é de restringir a operação da aviação geral em Congonhas quatro anos antes da expansão do Campo de Marte. Portanto, não tem cabimento cogitar do Aeroporto do Campo de Marte como alternativa viável para a alocação da aviação geral de São Paulo.

Além disso, as projeções para a operação coordenada de slots confirmam a inviabilidade da sobrevivência das atividades da aviação geral. Atualmente, estão autorizados 40/41 slots por hora para o Aeroporto de Congonhas, sendo 32/33 movimentos/hora alocados às operações da aviação regular e 8 movimentos/hora reservados como “slots de oportunidade” para a aviação geral, sendo 6 movimentos/hora na pista auxiliar e 2 movimentos/hora na pista principal. Existe um “buffer” de 8 slots, que são fixos e se referem à margem de segurança do gerenciamento de tráfego aéreo, para situações adversas.

O total de slots ofertados (41) são “líquidos”, isto é, o DECEA já considerou as margens de segurança para utilização da pista em caso de adversidades, como condições meteorológicas adversas, pane em equipamentos, etc. Porém, segundo as informações da Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC), “as projeções de movimentação de aeronaves consideram uma fatoração de 80%, havendo, portanto, um buffer de 20% de movimentos (slots de oportunidade) que permanecerão sendo utilizados pela aviação geral”.

No modelo descrito pela SAC, baseado na “fatoração de 80%”, a aviação geral somente teria como operar no Aeroporto de Congonhas quando não fosse necessário recorrer à margem de segurança do gerenciamento de tráfego aéreo. Em outras palavras, quando houver alguma adversidade que reduza a capacidade de utilização das pistas ou que sature o espaço aéreo nas aproximações de São Paulo, as operações da aviação geral não teriam como ocorrer em Congonhas.

Trata-se, portanto, de uma lógica de distribuição de slots completamente diferente da atual, que determina uma quantidade de slots “líquidos” para a aviação geral, que continuam existindo mesmo em caso de situações adversas.

Outro ponto a ser considerado é a desconexão com a realidade na pretensão de vocacionar o aeroporto. O contexto do Brasil não condiz com o modelo de aeroportos vocacionados, exclusivos e dedicados apenas para um tipo de aviação. A coexistência se mostra historicamente benéfica a todas as partes. Historicamente, a linha aérea regular e a aviação geral sempre conviveram em harmonia nos aeroportos centrais, especialmente no Aeroporto de Congonhas, e alterar esse equilíbrio será extremamente prejudicial para o setor aéreo.

A aviação geral tem sido exercida com condições de regularidade e previsibilidade, que, aliadas à localização na maior metrópole do país, permitem que o Aeroporto de Congonhas exerça a função de hub da aviação geral do Brasil: aeronaves de todas as regiões brasileiras e provenientes do exterior convergem para Congonhas.

A modelagem da concessão em questão não prevê qualquer tipo de mecanismo que assegure a continuidade das operações da aviação geral nos aeroportos coordenados e saturados. Também desconsidera a importância do setor de aviação geral e as diretrizes de política pública já estabelecidas, e que reconhecem a sua importância e determinam o seu desenvolvimento.

Portanto, a ABAG afirma que é necessário que o TCU revise a modelagem da Sétima Rodada de Concessões Aeroportuárias, a fim de que as minutas jurídicas e os estudos reflitam a necessidade de assegurar acesso da aviação geral à infraestrutura essencial a suas atividades no Aeroporto de Congonhas.

Informações da ABAG

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

Veja outras histórias