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Quanto as companhias aéreas do país gastam para manter os aviões parados?

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FOLHA DE SÃO PAULO* / Por Ivan Martínez-Vargas

No início deste ano, todas as previsões para o setor aéreo brasileiro eram otimistas. As três grandes companhias aéreas do país —Azul, Gol e Latam, que concentram 99% do mercado doméstico— haviam obtido lucro em 2019 e planejavam expansão.

Tudo isso agora é passado devido à pandemia do coronavírus, que desde março golpeou a demanda por voos. Para sobreviver, as aéreas renegociam prazos de pagamento e isenções com arrendadores e concessionárias donas de hangares. Também cortaram salários e pedem ajuda ao governo —que ainda não chegou. Sem voar, a empresa perde receita e ainda tem custos para manter o avião em solo.

Um arrendamento de aeronave pode custar até US$ 100 milhões (R$ 523,7 milhões), valor diluído em parcelas mensais ao longo do contrato. A conta por avião pode chegar a US$ 500 mil mensais (R$ 2,62 milhões) —quanto a hoje inoperante Avianca Brasil pagava no Airbus A320.

Preparar um avião para ficar parado, como as três gigantes do setor têm feito, custa entre R$ 20 mil e R$ 120 mil em aeronaves menores, fora as revisões mensais, que chegam aos R$ 13 mil por avião na Latam, aérea com a maior frota.

Há ainda o custo de estacionar esses aviões em hangares ou aeroportos.

Mesmo tendo operado normalmente quase a metade do mês passado, as três empresas tiveram quedas de demanda entre 25% e 38%. Os números referem-se à RPK, métrica que leva em conta o número de passageiros pagantes e a distância percorrida por eles.

A malha aérea brasileira foi reduzida a cerca de 10% do normal. A Gol, líder no mercado doméstico, reduziu a oferta em 92% e mantém 50 voos ao dia. A Latam, em 95%, e suspendeu os voos internacionais em abril. A Azul manteve 70 voos diários, 90% a menos que o normal.

O maior custo das companhias é o combustível, que historicamente representa cerca de 30% das despesas.

Ondino Dutra, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (pilotos e comissários) diz que gastos com folha de pagamento da tripulação são em geral 7,5% do total. A cifra era de 9,8% em 2015, segundo a Abear (associação das companhias aéreas).

Já o leasing (arrendamento) supera 10% das despesas, segundo Dutra. Quase toda a frota das companhias é de aviões arrendados.

“Como o querosene é caro, é melhor ter aviões mais novos, com gasto mais eficiente de combustível. O leasing é usado para manter essa renovação constante de frota”, diz Marcelo Bento, diretor de relações institucionais da Azul.

“As aéreas alugam o avião, usam o equipamento e o fluxo de caixa paga o arrendamento mês a mês”, diz.

O custo depende de fatores como modelo e idade da aeronave, sua depreciação, tempo de contrato e risco de inadimplência. Turbinas também podem ser arrendadas.

O preço total do arrendamento de um Boeing 737-800, modelo utilizado pela Gol, pode chegar a US$ 100 milhões, segundo especialistas. O montante é diluído mensalmente em contratos de até oito anos.

As grandes empresas de leasing são todas estrangeiras, e os contratos em sua maioria regidos pela legislação americana, segundo Renato Moraes, sócio do escritório Cascione.

Há dois modelos de leasing comuns atualmente, segundo Patrícia Lynch, sócia do escritório Motta Fernandes.

“O mais usado e mais barato é o operacional, que funciona como um aluguel, mas há também o mercantil, em que há a opção de compra da aeronave no final do contrato”.

O formato de arrendamento mais usado é o sale lease back [compra e arrenda], diz Lynch, em que a companhia aérea encomenda aviões novos junto a um fabricante e negocia a transferência da compra antes da entrega dos equipamentos.

“A aérea consegue bons descontos com os fabricantes em compras de vários aviões, e se programa para transferir ao arrendador, que quita as aeronaves e as aluga de volta”.

Com a queda nas vendas de passagens, a maioria dos aviões está no solo e não gera receita para o pagamento do leasing. A Gol tem pedido a arrendadores carência de seis meses nos contratos.

A Azul, que tem 114 aeronaves fora de operação, não tem pago arrendamentos. “Os lessors [arrendadores] têm tido paciência porque é um problema mundial gerado pelo vírus. Em caso de retomada dos aviões, eles não têm onde pará-los nem clientes a quem arrendar agora. Como a dívida será quitada é algo a ser negociado mais para frente”, diz Marcelo Bento.

Deixar um avião no solo envolve uma série de atividades de manutenção de rotina, fora o valor pago pelo hangar. Hoje, as aéreas tentam deixar o maior número de aviões em aeroportos da Infraero, que não tem cobrado taxas.

Na Latam, que tem 126 aviões parados, acordos com a Aeronáutica permitiram o uso de bases aéreas em Brasília e no Rio de Janeiro, mas é o centro de manutenção da empresa em São Carlos (SP) que tem o maior número de aeronaves estacionadas. São 35.

Se um avião está em solo há 24 horas e não há previsão de voo, já é preciso iniciar a chamada preservação ativa, que custa cerca de R$ 20 mil em um avião e demora um dia para ser feita, diz Alexandre Peronti, diretor de manutenção da Latam.

Nesse processo, a aeronave pode ficar até seis meses inativa, mas há um custo mensal de manutenção de R$ 13 mil.

É preciso tapar as janelas do cockpit para evitar que a incidência de luz e calor danifique o painel de comando. Turbinas, sensores e outros orifícios da aeronave também são vedados para evitar acúmulo de sujeira e umidade. A bateria é desconectada.

Áreas em que há metal exposto recebem óleo para evitar ferrugem. É preciso ainda manter o tanque 10% cheio para não haver ressecamento.

“Uma vez por semana, drenamos o tanque e verificamos se houve infiltrações. A cada 15 dias, é ligada a unidade auxiliar de potência [motor que fica na cauda e é responsável, por exemplo, pelo funcionamento de luzes e ar condicionado com o avião em solo] e movimentamos os comandos da aeronave”, diz Peronti.

Além disso, uma vez ao mês é preciso ligar os motores em solo e testar a pressurização. Para aeronaves que ficarão mais de seis meses paradas, o processo é o de storage [armazenagem, em inglês], que é mais caro —R$120 mil por avião de um corredor— e demora até uma semana.

A perspectiva de retomada é o que influencia na decisão de quantas aeronaves estacionar e por quanto tempo. Na Latam, a previsão é não ter 100% da frota em operação pelo menos pelos próximos seis meses.

“Se conseguirmos voltar a níveis de março até o fim do ano, será um milagre”, acrescenta Marcelo Bento, da Azul.

Além da duração imprevisível da pandemia, preocupam o setor a velocidade da retomada e o patamar de preços. “Não sabemos como voltará a demanda, em que ritmo. E num cenário em que as empresa têm mais aviões e gente que o necessário, as tarifas serão baixas”, afirma.

* Nota: desde abril de 2020, o AEROIN mantém parceria de conteúdo com a Folha de São Paulo para compartilhamento de matérias e artigos.

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