Responsabilidade sobre atrasos na aviação não deve ser só da empresa aérea, alerta a IATA

Imagem: Kevin Bosc, via Unsplash

ISTAMBUL, IATA AGM – Entre os assuntos abordados na 79ª Assembleia Geral Anual da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA – International Air Transport Association), realizada até ontem em Istambul, na Turquia, a Associação pediu que a regulamentação de proteção ao consumidor inclua a responsabilidade compartilhada de todos os grupos envolvidos quando os passageiros sofrem atrasos e cancelamentos.

A entidade representativa da aviação divulgou dados de uma pesquisa que mostra que a maioria dos passageiros confia nas companhias aéreas para tratá-los de maneira justa em casos de atrasos e cancelamentos.

Segundo a IATA, sempre que ocorre um atraso ou cancelamento, as regras específicas sobre os direitos dos passageiros definem que o suporte e a indenização recaem sobre a companhia aérea, independentemente do elo da cadeia da aviação responsável pelo caso. Diante disso, a Associação pediu aos governos que garantam responsabilidade compartilhada de forma mais equitativa no caso de problemas no voo relacionados a todo o sistema de transporte aéreo.

Willie Walsh, diretor geral da IATA, afirmou que o objetivo da regulamentação sobre os direitos do passageiro certamente deve ser o de melhorar o serviço, portanto, faz pouco sentido que as companhias aéreas sejam escolhidas como únicas responsáveis para pagar indenizações por atrasos e cancelamentos que têm uma ampla variedade de causas, incluindo falhas no controle de tráfego aéreo, greves de trabalhadores que não são das companhias aéreas e infraestrutura ineficiente.

“Com mais governos introduzindo ou fortalecendo as regras de direitos dos passageiros, a situação não é mais sustentável para as companhias aéreas. Além disso, traz poucos benefícios aos passageiros, porque não incentiva todas as partes do sistema da aviação a maximizar o atendimento ao cliente. E como a indenização precisa ser paga, as companhias aéreas acabam financiando esse sistema. Precisamos urgentemente mudar para um modelo de responsabilidade compartilhada, em que todos os elos da cadeia de valor tenham os mesmos incentivos para manter seu desempenho sem atraso”, disse Walsh.

A desregulamentação econômica do setor aéreo trouxe grandes benefícios ao longo de décadas, aumentando a escolha do consumidor, reduzindo tarifas, expandindo rotas e incentivando novos participantes. Infelizmente, uma tendência de “re-regulamentação” ameaça desfazer alguns desses avanços.

Na área de proteção ao consumidor, mais de cem jurisdições desenvolveram regulamentos do consumidor separadamente, com pelo menos outros doze governos procurando se juntar a esse grupo ou endurecer a regulamentação que já possuem.

O Regulamento 261 da UE precisa ser revisto

Dados da Comissão Europeia mostram que os atrasos aumentaram desde que o atual Regulamento 261 da União Europeia (UE) foi introduzido. Ou seja, mesmo tendo aumentado o custo para as companhias aéreas – e consequentemente, para os passageiros, não surtiu efeito de reduzir atrasos.

Além disso, tornou-se sujeito a mais de 70 interpretações pelo Tribunal de Justiça Europeu, cada uma delas levando o regulamento mais longe do que originalmente previsto pelas autoridades.

A IATA alerta que a Comissão Europeia, com o Conselho e o Parlamento, precisa reativar a revisão do Regulamento 261 da UE, que estava em discussão antes de ser bloqueada pelos Estados-Membros. Discussões futuras devem abordar a proporcionalidade da indenização e definir responsabilidades específicas para os principais grupos envolvidos, como aeroportos ou prestadores de serviços de navegação aérea.

Essa revisão é ainda mais necessária quando o Regulamento da UE corre o risco de se tornar um modelo global, com outros países, incluindo Canadá, Estados Unidos e Austrália, e alguns da América Latina e Oriente Médio, parecendo considerá-lo um modelo, sem reconhecer que o Regulamento 261 da UE nunca teve a intenção de abordar atrasos e cancelamentos e, portanto, não se aplica igualmente a todos os grupos da cadeia da aviação.

“Ao se recusar a abordar a questão de distribuir a responsabilidade de forma mais uniforme por todo o sistema, o Regulamento 261 da UE consolidou as falhas de serviço de alguns grupos que não têm incentivo para melhorar. Um exemplo clássico é a falta de progresso em mais de 20 anos da iniciativa Single European Sky [espaço aéreo unificado na Europa], que reduziria significativamente os atrasos e a ineficiência do espaço aéreo em toda a Europa”, disse Walsh.

Oportunidade para o Reino Unido

Com a revisão do Regulamento 261 da UE paralisada, o Reino Unido tem a oportunidade de incorporar algumas das revisões propostas ao modelo pós-Brexit do país para os direitos dos passageiros. A reforma adequada do Regulamento 261 do Reino Unido (UK 261) oferece uma grande oportunidade de ‘bônus do Brexit’, que o atual governo pró-Brexit não deve ignorar.

Canadá está perdendo sua reputação de boa regulamentação

A IATA afirma que a situação no Canadá é particularmente decepcionante, porque sempre apresentou um regime regulatório bem equilibrado até agora. Um exemplo é o reconhecimento explícito da primazia da segurança, o que significa que problemas relacionados à segurança não são passíveis de indenização.

Infelizmente, os formuladores de políticas canadenses parecem inclinados a remover essa importante exceção. O Canadá também anunciou uma abordagem de “culpado até que se prove o contrário” para as companhias aéreas quando há atrasos ou cancelamentos. Essas abordagens parecem ser impulsionadas pela política interna do partido canadense.

Além disso, o cuidado regulatório do governo parece evaporar quando se trata de responsabilizar entidades governamentais, como Serviços de Fronteira (CBSA) ou Segurança de Transporte (CATSA), por problemas de desempenho.

Uma possível boa notícia é que o National Airlines Council of Canada (Conselho de Companhias Aéreas do Canadá) apresentou um modelo de responsabilidades compartilhadas em toda a cadeia de valor da aviação, incluindo maior transparência, relatórios de dados e padrões de qualidade de serviço, uma solução que poderia ser adotada não só no Canadá.

Estados Unidos – uma solução em busca de um problema

O Departamento de Transportes dos Estados Unidos (DOT) está propondo uma indenização por atraso ou cancelamento de voos, sendo que seu próprio Painel de Avaliação de Cancelamentos e atrasos mostra que as 10 maiores companhias aéreas dos Estados Unidos já oferecem refeições ou vouchers para clientes durante atrasos prolongados e nove delas também oferecem acomodação em hotel de cortesia para passageiros afetados por cancelamento durante a noite.

Segundo a IATA, isso significa que o mercado já está, efetivamente, entregando e permitindo às companhias aéreas a liberdade de competir, inovar e se diferenciar em termos de ofertas de serviços.

“É fácil para um político aprovar uma nova lei de direitos dos passageiros, parecendo que ele conseguiu realizar alguma coisa. Mas cada novo regulamento desnecessário é um peso na relação custo-eficiência e na competitividade do transporte aéreo. É preciso que um político corajoso olhe para a situação e reconheça quando “menos é mais”. A história do nosso setor mostra que menos regulamentação econômica abre mais opções e benefícios para os passageiros”, disse Walsh.

Os passageiros não concordam que há um problema

Há poucas evidências de que os passageiros estão pedindo uma regulamentação mais forte nessa área, exceto em alguns casos raros.

Uma pesquisa da IATA/Motif com 4.700 viajantes em 11 mercados perguntou aos passageiros como eles foram tratados em caso de atrasos e cancelamentos. A pesquisa mostrou que:

– 96% dos entrevistados relataram que estavam “muito” ou “mais ou menos” satisfeitos com sua experiência de voo em geral;

– 73% estavam confiantes de que seriam tratados de forma justa em caso de atraso ou cancelamento de voo;

– 72% disseram que, em geral, as companhias aéreas lidam bem com atrasos e cancelamentos;

– 91% concordaram com a afirmação “Todos os grupos envolvidos no atraso ou cancelamento (companhias aéreas, aeroportos, controle de tráfego aéreo) devem desempenhar um papel na ajuda aos passageiros afetados.”

“A melhor garantia de um bom atendimento ao cliente é a escolha do consumidor e a concorrência. Os viajantes podem e devem reclamar se uma companhia aérea – ou mesmo todo o setor da aviação – não prestar serviços aceitáveis. Os políticos devem confiar no instinto do público e não regulamentar os modelos de negócios e as opções disponíveis para os viajantes hoje”, concluiu Walsh.

Todas as novidades e notícias da IATA AGM 2023, que ocorre de 4 a 6 de junho, em Istambul, podem ser consultadas neste link.

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

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