Santos Dumont sonhou com um polo aeronáutico brasileiro, materializado em São José dos Campos

Santos Dumont fez uma profecia em O que eu vi, o que nós veremos (1918), obra que encerra sua carreira como escritor. No livro, o pai da aviação sugere a fundação de um centro de pesquisa e ensino de aeronáutica – área, à época, ainda incipiente em todo o mundo. “É tempo, talvez, de se instalar uma escola [voltada à aviação] de verdade em um campo adequado. Não é difícil encontrá-lo no Brasil”, afirmou Dumont.

O inventor se permitiu a dar alguns palpites do melhor lugar para a instalação da escola. Citando as boas condições geográficas e atmosféricas da região, Dumont fez menção a algum local nas proximidades de Mogi das Cruzes (SP), às margens da antiga ferrovia Central do Brasil. Um mapa não deixa dúvidas: ele se referia a São José dos Campos, município de 700 mil habitantes do interior paulista que, anos mais tarde, viria a se tornar oficialmente a Capital Estadual da Indústria Aeroespacial e do Avião.

A Lei nº 17.418/2021, de autoria da deputada Letícia Aguiar (PP) e aprovada pelos pares da Alesp, chancela à cidade um título honorário que, na cultura local, já estava incorporado há muitos anos. Finado em 1932, Dumont não teve a chance de ver a profecia se concretizando: em 1947, instala-se em São José dos Campos o Centro Técnico Aeroespacial (CTA, atual DCTA); três anos depois, funda-se no município o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA); e, em 19 de agosto de 1969, é criada a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer).

Inspiração e homenagem

Letícia Aguiar afirma que a maior inspiração para o projeto de lei foi, justamente, de um dos fundadores da Embraer: Ozires Silva, coronel, engenheiro aeronáutico e ex-ministro da Infraestrutura. “Quando o coronel Ozires me disse que se sentia frustrado pelo Governo não reconhecer oficialmente a vocação de São José dos Campos, apresentei o projeto de lei como uma forma de homenageá-lo. Pensei também em criar novas oportunidades para o polo aeroespacial joseense”, afirma Aguiar.

A proposição, segundo Letícia Aguiar, tinha propósitos além dos fins honorários. “Por todo o histórico da cidade”, afirma Letícia, “receber o título já seria um importante reconhecimento”. Havia, porém, um outro objetivo com a lei. “Queria chamar a atenção das autoridades brasileiras para a necessidade de incentivo e capacitação da indústria aeroespacial para a competição global”, destaca a deputada.

Carinho e orgulho

Segundo Anderson Farias (PSD), prefeito de São José dos Campos, a população do município mantém uma relação “estreita, carinhosa e de muito orgulho” com o polo de pesquisa aeronáutica e espacial. “Todo joseense tem orgulho pelo fato de a cidade ser conhecida pelo título de ?Capital do Avião?”, afirma Farias. “Quase todas as famílias possuem um ou mais membros que trabalha ou trabalhou na Embraer ou em empresas que integram a cadeia aeronáutica e de suprimentos da cidade”, completa o prefeito.

É o caso de Giovanna Siqueira, 19. A cultura do avião se fez presente na vida da estudante de Direito por meio do pai Reinaldo Siqueira, 52, funcionário da Embraer desde 2000. “Em dias festivos, pude visitar a fábrica com meu pai”, relembra Giovanna.

“Minha família construiu sua carreira profissional na Embraer”, afirma Reinaldo. “Somos em dez irmãos e, desses, seis trabalharam na empresa”, completa o engenheiro.

Pontos turísticos

Além das visitas ao trabalho do pai, Giovanna viveu a cultura do avião por meio das “diversas idas, quando era criança, ao Parque Santos Dumont”, fundado em 1971 e situado na região central de São José dos Campos.

O parque é repleto de homenagens a Dumont e à aviação, contando, por exemplo, com réplicas da aeronave 14 Bis, um protótipo do avião Bandeirante e maquetes de foguetes da família Sonda. Há, ainda, uma réplica da residência do pai da aviação.

Os monumentos e pontos turísticos dedicados à aeronáutica não param por aí. Situa-se em São José dos Campos o Memorial Aeroespacial Brasileiro (MAB), inaugurado em fevereiro de 2004.

Economia diversificada

O cluster aeroespacial, com mais de 100 empresas vinculadas, rende a São José dos Campos cerca de 95% da cadeia produtiva da indústria aeroespacial do país – a economia da cidade, contudo, é diversificada.

O município ostenta a 4ª posição no ranking de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) paulista. Boa parte se deve à instalação de indústrias, tal como a aeronáutica, de alto valor tecnológico – General Motors, Johnson & Johnson, Prolind e Bayer são alguns exemplos.

Informações da ALESP – Texto por Juliano Galisi, sob supervisão de Cléber Gonçalves

Carlos Ferreira
Carlos Ferreira
Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.

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