Sideral tenta induzir ANAC ao erro sobre manutenção e tem Boeing 737 proibido de voar

Aeronave semelhante à envolvida no caso relatado

Um relatório de inspeção da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) foi categórico em afirmar que a empresa Sideral Linhas Aéreas faltou com transparência para com um fiscal, sobre um problema encontrado nas pás do motor e na estrutura da asa do Boeing 737-300 de matrícula PR-SLI.

Para a agência, a Sideral não apenas falhou em dar falsa declaração ao fiscal, como também possui processos problemáticos que poderiam colocar em risco a integridade de tripulantes e equipes de solo. A ANAC também sugeriu que uma investigação fosse instaurada para apurar a conduta da empresa.

Só sei que nada sei

O início da história se deu durante uma fiscalização de rotina da ANAC, que envolveu a inspeção física da aeronave de marcas PR-SLI no aeroporto de Recife, na noite de 27 de julho. Uma avaliação por especialista da agência identificou dano na blade 18 do motor direito do Boeing 737.

A equipe de manutenção foi alertada, tendo sido solicitados os registros de manutenção para comprovar que a situação já teria sido analisada, assegurando que estaria dentro dos limites aceitáveis para voo e sendo monitorada pela empresa.

Fonte: Relatório de Inspeção – ANAC

Ocorre que o mecânico informou que todos os registros de manutenção e monitoramento da empresa são de responsabilidade de equipe que só estaria disponível em horário comercial. Informou que segundo a equipe de MCC da empresa, todos os danos estariam sendo monitorados e já identificados e tratados em momento anterior. No entanto, nenhuma informação foi apresentada para comprovar tal alegação.

Para piorar, o mecânico foi instado a proceder uma avaliação no dano, para que pudesse verificar a sua natureza, assim como checar as publicações técnicas do fabricante da aeronave ou motor, para assegurar que as dimensões do dano estariam dentro dos limites aceitáveis para liberação para voo.

No entanto, o mecânico informou que não tinha acesso a manuais específicos da aeronave e do motor que possibilitassem a realização de uma avaliação in loco, registrando mais uma vez que, somente o setor de engenharia tinha acesso a tais publicações. 

ANAC foi enfática

Por conta do problema, a Agência emitiu uma Notificação de Condição Irregular (NCIA) para a Sideral e deu prazo de um dia para que respondesse com evidências do monitoramento dos problemas apontados.

No dia seguinte, a empresa respondeu, mas a agência entendeu que foi inconsistente. Para a ANAC, a Sideral não apenas não esclareceu, como tentou fazê-la acreditar que um documento apresentado demonstraria o registro e acompanhamento do dano. No entanto, a ANAC concluiu que tal relatório não trazia qualquer registro, tampouco verificação de dano localizado na região identificada e fotografada pelo fiscal (imagens acima).

Desta forma, a ANAC considerou que o dano identificado durante inspeção de rampa, de fato, não fora observado e analisado pela empresa, não sendo registrado nenhuma análise que pudesse confirmar ser dano de dimensões aceitáveis para liberar o voo da aeronave.

Como resultado, a ANAC disse que a falta de processos de manutenção robustos causaram situação de risco iminente à segurança de voo, conforme descrito no Art. 73, inciso IX da Resolução n° 472. Com isso, o certificado de aeronavegabilidade da aeronave de marcas PR-SLI, foi suspenso de forma cautelar em 29 de julho, até que fosse demonstrada solução da situação identificada em rampa.

Ato contínuo, a Sideral correu para remediar a situação e produziu o relatório esperado pela ANAC, que liberou a aeronave em 2 de agosto.

Resultado

Esse caso foi documentado no relatório NCIA N° 02/270222/NURAC-REC/1586890. Em suas conclusões, a ANAC disse:

“Restou demonstrado o risco associado à ausência de acesso aos dados de danos e condições sendo monitoradas pela empresa em suas aeronaves, bem como a ausência de acesso as publicações técnicas do fabricante que tornem possível a avaliação de danos durante o trânsito da aeronave”.

Agrava-se o fato, pela indisponibilidade da equipe de engenharia no momento da operação da aeronave, que, segundo informações recebidas durante a inspeção, trabalha apenas em horário comercial e, portanto, nunca estaria disponível para atender eventuais demandas dos mecânicos da base, visto que as operações das aeronaves são realizadas fora do horário comercial”. 

Em razão disso, há fundada suspeita para acreditar que aeronaves podem estar sendo liberadas com danos não analisados, o que gera risco não calculado para o sistema de aviação e, principalmente, tripulantes e pessoas no solo”.

“Desta forma, recomenda-se a investigação dos fatos por parte da GTVA/SPO, bem como proposta de alteração do acesso aos dados e publicações dos fabricantes aos mecânicos de forma irrestrita ou disponibilidade de equipe de engenharia de modo a atender qualquer demanda da equipe de manutenção no momento que for requerido e sempre antes do despacho da aeronave”.

“Adicionalmente, recomenda-se instauração de Processo Administrativo Sancionador (PAS), com o objetivo de apurar as condutas de operação com dano não avaliado e em condições não aeronavegáveis e, principalmente, a emissão de declaração falsa à autoridade de aviação civil, quanto ao dano identificado, com vista a lograr vantagem econômica pela operação da aeronave em condições não aeronavegáveis”. 

Certamente, a Sideral perde pontos de confiança com a ANAC após tal relatório.

Carlos Ferreira
Carlos Ferreira
Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.

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