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Voo exclusivo para homens já foi considerado serviço VIP no passado

A aviação nas décadas de 1960 e 1970 era reconhecida pelo luxo e conforto dos serviços de bordo. Espaços amplos, louça e prataria em jantares finos, fumo liberado e outras regalias eram diferenciais que as companhias ofereciam para conquistar clientes endinheirados. Mas a United Airlines tomou uma atitude inusitada que, segundo a empresa, “visava melhorar a experiência da viagem”: voos só para homens (exceto as aeromoças).

A novidade foi instituída em abril de 1953, nos chamados Executive Flight, na rota entre Chicago e Nova Iorque, linha altamente utilizada por empresários em viagens de negócios. Como o público-alvo era o de executivos de grandes empresas, o departamento de marketing da companhia pensou em um serviço inspirado em “um escritório no céu”, onde os viajantes pudessem trabalhar e relaxar durante as mais de três horas de voo.

A ideia inicial era fornecer um voo diário onde os passageiros pudessem fumar charutos sem qualquer restrição. Durante o voo, os clientes poderiam consultar a cotação do mercado de ações, atualizado no último minuto antes da decolagem. Um telefone também estava disponível no aeroporto até o momento do embarque, um serviço importante nos tempos em que um celular era algo inimaginável. Se os passageiros tivessem obrigações de trabalho, eles poderiam fazer uso de uma mesa, que também funcionava como escrivaninha.

A bordo, os viajantes tinham acesso a bebidas exclusivas, além dos tradicionais travesseiros, cobertores e protetores de ouvido contra ruídos, sempre atendidos por belas e jovens comissárias, as únicas mulheres a bordo. Ao pousar, todos recebiam de brinde um cinzeiro de vidro com um avião ou um conjunto de abotoaduras, uma das quais tinha um relógio embutido.

Clube do Bolinha

Em pouco tempo, a procura predominantemente masculina pelo serviço se tornou prática de negócio e a companhia oficializou a exclusividade para homens na viagem.

“O que damos aos homens é uma oportunidade de se afastar das mulheres”, declarou um porta-voz do United em março de 1954, segundo conta o jornalista Jake Rossen, do New York Times, em seu site pessoal de curiosidades. “Não consideramos isso como segregação. Consideramos um pequeno luxo”.

Uma divulgação promocional da época dizia: “Assim que um homem entra em nosso avião, ele pode tirar o casaco e o colete, se quiser. E damos a ele um par de chinelos, para que também se descalce e realmente relaxe. Um passageiro pode fumar um charuto ou seu cachimbo, se quiser, algo que não se pode fazer em outros voos. A sensação é estar fumando no próprio carro”.

O fumo era liberado e até estimulado pela companhia, e essa foi a justificativa oficial para banir as mulheres do serviço. “Muitas mulheres se opõem a sentar ao lado de um homem fumando um cachimbo; muitos homens se opõem também”,  disse um porta-voz da companhia em entrevista para uma reportagem do jornal New York Times da época.

Além das mulheres, crianças também não podiam embarcar. A proposta era “oferecer o máximo de sossego durante o voo”. Menos de um ano após a estreia, o voo executivo atraiu 19.500 passageiros, um sucesso retumbante.

Anúncio do serviço, sem data de publicação.

Menina, sim!

Mas não demorou muito para o público feminino reagir à essa política da empresa. Em 1958, uma mulher, vice-presidente de uma empresa de marketing para televisão, tentou comprar passagens no Executive Flight. Ao ter o embarque negado, a empresária registrou uma reclamação formal no Conselho de Aeronáutica Civil, agência que antecedeu a FAA na regulação da aviação norte-americana. 

Em sua defesa, a United alegou que visava apenas preservar a cliente, já que no voo os homens estavam autorizados a fumar e tirar os sapatos a bordo, o que poderia incomodar a moça.

O caso ganhou repercussão, mas apesar das críticas, o serviço perdurou por 17 anos. Na década de 1960, com o aumento da influência dos movimentos feministas, a United passou a ser acusada de sexismo. Em 1969, a Organização Nacional para Mulheres (NOW, na sigla em inglês), promoveu grandes piquetes na sede da United em Chicago e entrou com diversas queixas no Conselho de Aeronáutica Civil.

Outros grupos aderiram à causa e, com o aprofundamento da polêmica, a United decidiu encerrar o serviço em janeiro de 1970, não sem o protesto de alguns homens que adoravam viajar sem mulheres.

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