Avião de Marília Mendonça estendeu aproximação e teve ‘separação do solo reduzida’

O relatório final do acidente com o avião King Air que transportava Marília Mendonça foi divulgado hoje, e mostra apenas um fator determinante no acidente.

Imagem: Força Aérea Brasileira

O acidente aconteceu em 5 de novembro de 2021, e vitimou a cantora sertaneja Marília Mendonça, 2 outros passageiros e os 2 pilotos, que morreram em decorrência da colisão da aeronave Beechcraft King Air 90 de matrícula PT-ONJ, contra uma linha de transmissão de energia.

O relatório do CENIPA não aponta culpados, e sim cita fatores que podem ter contribuído para o acidente, a fim de evitar novas tragédias.

Vale ressaltar que por resolução da ICAO (Agência da ONU para Aviação), os relatórios oficiais das agências de aviação não devem ser usados para processo criminal, mas a Polícia Civil de Minas Gerais apontou hoje que espera os dados do relatório para prosseguir com a conclusão de seu inquérito, indo contra a resolução da ONU, de maneira similar que ocorreu com a Polícia Federal no acidente da GOL na Amazônia.

O CENIPA informou que não foi encontrada nenhuma irregularidade com o funcionamento da aeronave que indicasse problemas antes da colisão com os cabos, assim como os pilotos estavam com todas as documentações em dia, e a empresa PEC Táxi Aéreo estava com a situação regular, seguindo as regras vigentes da agência.

São 64 páginas do relatório, e o principal ponto levantado desde o início pela mídia e pela sociedade é o fato da presença linha de transmissão da CEMIG, a Companhia de Energia de Minas Gerais, próxima do aeroporto de Caratinga.

Segundo o relatório “no que diz respeito à linha de 69 kV, contra a qual o PT-ONJ colidiu, constatou-se que esta se encontrava fora dos limites de ZPA (Zona de Proteção de Aeródromo) estabelecidos pelo PBZPA (Plano Básico de Zona de Proteção de Aeródromo) e, por sua vez, não ela não se enquadrava nos requisitos que a caracterizassem como um obstáculo ou objeto passível de ser sinalizado”.

O fato dos cabos de energia terem cor cinza ou preta dificulta a visualização por parte dos pilotos: “Deve-se considerar que tal ponto estava situado abaixo da linha de visada dos pilotos, em um momento do voo em que as atenções estariam direcionadas para a pista de pouso. Outro aspecto a ser considerado para a visualização do cabo diz respeito ao seu baixo contraste em relação à vegetação ao fundo, fato que resultava em uma percepção reduzida e, consequentemente, diminuía as chances de avistamento do cabo em grandes distâncias”.

Experiência na TAM pode ter afetado julgamento do piloto

Divulgação – CENIPA

O CENIPA destaca que o voo ocorreu conforme o Plano de Voo, sempre com comunicação com os órgãos de Controle de Tráfego Aéreo, e que se ao aproximar do Aeroporto de Caratinga, o avião seguiu a trajetória esperada na Perna do Vento (que é a ‘reta oposta’ da pista de pouso).

Porém, “após ingressar na perna do vento, a aeronave deveria iniciar o enquadramento para a perna base após 30 segundos do través da cabeceira da pista em uso. No caso do King Air C90A, para uma perna do vento realizada com velocidade de 120 kt, o afastamento até o início do enquadramento da perna base corresponderia à distância de 1 NM (1.85km). Constatou-se, no entanto, que a colisão contra o cabo para-raios da linha de transmissão ocorreu em uma posição alinhada com o prolongamento da pista de Caratinga, a uma distância de 2,5 NM (4.63km) da cabeceira 02”.

A entrada da perna base é a primeira curva de 90º que o piloto faz, para se aproximar de maneira perpendicular à pista, fazendo outra curva de 90º (chamada de perna base para final) para então se alinhar com a pista para o pouso.

A primeira curva (base) é iniciada 30 segundos após o piloto passar paralelamente pela cabeceira que ele estará pousando, sendo uma referência matemática para que a aeronave chegue numa atitude segura e ideal para manter uma aproximação final com ângulo de 3º. No caso o CENIPA aponta que a curva foi feita quase 3km após o ponto ideal, e logo o piloto teria chegado mais baixo:

“Por fim, tendo em vista o cenário e todos os elementos identificados neste acidente, constatou-se que, uma vez que a aproximação foi iniciada a uma distância consideravelmente maior do que aquela esperada para uma aeronave de “Categoria de Performance B” e com uma separação em relação ao solo muito reduzida, os riscos de colisão contra objetos, os quais não poderiam ser identificados com a antecipação necessária, se tornaram significativamente elevados”.

Este cenário de aproximação mais distante é conhecido como “alongamento da perna do vento”, em que o piloto se afasta mais da pista, mantendo o mesmo rumo, normalmente para dar tempo para que outra aeronave saia da pista ou decole, sem precisar fazer uma arremetida ou entrar em órbita (dar voltas padronizadas).

Nas conclusões o CENIPA afirma que “no que diz respeito ao perfil de aproximação para pouso, houve uma avaliação inadequada acerca de parâmetros da operação da aeronave, uma vez que a perna do vento foi alongada em uma distância significativamente maior do que aquela esperada para uma aeronave de “Categoria de Performance B” em procedimentos de pouso sob VFR”.

Esta citação acima está como único fator contribuinte para o acidente na avaliação do CENIPA, que categorizou como “Julgamento de Pilotagem“.

O comandante da aeronave tinha 10 anos de experiência na Aviação Regular, TAM Linhas Aéreas, voando aeronaves Airbus A319 e A320. Segundo o CENIPA, “ele pode ter optado por alongar a perna do vento a fim de buscar uma aproximação final mais longa, a qual tende a ser mais confortável para os passageiros”, em função de “um processo inconsciente gerado pelas experiências (…) na Aviação Regular”.

Vale destacar que o CENIPA não atribui culpa ao piloto em nenhum momento, apenas cita que este foi o único fator contribuinte encontrado na investigação, já que a aeronave estava em perfeito funcionamento, e que não foram encontrados outros fatores que poderiam ter levado à um voo mais baixo que o previsto na ocasião, levando à colisão com os cabos de energia.

Você pode conferir o relatório de 64 páginas na íntegra clicando aqui.

Carlos Martins
Carlos Martins
Fascinado por aviões desde 1999, se formou em Aeronáutica estudando na Cal State Long Beach e Western Michigan University. #GoBroncos #GoBeach #2A

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