Copiloto quase foi sugado para fora de Airbus A319 devido a selo danificado, aponta relatório

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A CAAC, autoridade de investigação da China, divulgou seu relatório final sobre um grave incidente ocorrido com um Airbus A319, apontando que um selo danificado quase levou a uma tragédia aeronáutica.

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A aeronave sem o pára-brisa após o pouso

Segundo o The Aviation Herald (AvHerald), no dia 14 de maio de 2018 o Airbus A319 da Sichuan Airlines, registrado com a matrícula B-6419, executava o voo 3U-8633 de Chongqing para Lhasa (ambas na China), com 119 passageiros e 9 tripulantes, e estava voando a 9800 metros (aproximadamente nível de voo FL321) próximo de Chengdu, em terreno montanhoso, quando o pára-brisa direito estourou completamente.

O copiloto quase foi sugado pela rápida descompressão e ficou ferido pelos estilhaços do vidro, enquanto o comandante iniciou uma descida de emergência para 7100 metros (aproximadamente FL235 – altitude mínima segura devido às montanhas) e desviou a aeronave para Chengdu.

A aeronave pousou na pista 02R de Chengdu cerca de 35 minutos depois da ocorrência.

Também segundo o AvHerald, na data de ontem, 2 de junho, a CAAC divulgou seu relatório final com as conclusões sobre o incidente.

Pessoas a bordo

O relatório descreve que a aeronave partiu de Chongqing, China, com 119 passageiros e 5 tripulantes, além do comandante, do primeiro-oficial (copiloto), de um segundo comandante na posição de observador e um oficial de segurança.

O comandante, de 46 anos e classificação de instrutor, tinha, naquele momento, experiência total de 11.454 horas de voo, sendo 9.254 horas no tipo de aeronave.

O segundo comandante, de 34 anos e também com classificação de instrutor, tinha 8.789 horas totais e 6.708 horas no tipo, e estava na cabine na posição de observador.

O copiloto, localizado no assento da direita, tinha 27 anos, 2.801 horas totais, 1.180 horas no tipo.

Detalhes do incidente

A aeronave alcançou 9800 metros de altitude (FL321) e a cabine era mantida pelo sistema de pressurização a uma altitude equivalente a 6.272 pés, quando a tripulação começou a discutir que o pára-brisa direito havia desenvolvido rachaduras, ao mesmo tempo em que uma mensagem “ANTI ICE R WINDSHIELD” (Sistema Anti-Congelamento do Pára-brisa Esquerdo) aparecia no ECAM (Monitor Eletrônico Centralizado da Aeronave).

O aquecimento do pára-brisa direito foi desligado, mas, 3 segundos depois, ouviu-se um estrondo (momento em que o vidro trincou). O comandante assumiu o controle da aeronave, e outros 8 segundos depois a tripulação começou a desviar para Chengdu.

Com o diferencial de pressão em 7.886 psi, a aeronave começou a descer até que, 39 segundos após a mensagem ANTI ICE R WINDSHIELD, um som abafado é ouvido no gravador de voz (CVR) seguido por um ruído contínuo (o vidro havia estourado).

Os barramentos elétricos DC 1 e DC 2 ficaram off-line, a carga do gerador acionado pelo motor direito caiu para zero, o aquecimento do pára-brisa esquerdo assim como das janelas do lado esquerdo e direito falharam, os freios automáticos falham, o FMGS #2 (Sistema de Orientação de Gerenciamento de Voo) foi desconectado, SEC2 e SEC3 apresentaram defeito, os spoilers #1, #2 e #5 falharam, o piloto automático se desconectou, e a aeronave começou a rolar para a esquerda e para a direita.

Descendo através do FL318, a altitude da cabine havia aumentado para 24.320 pés e o diferencial de pressão reduzido para 0,922 psi. Um aviso de altitude no ECAM foi ativado, a página elétrica do ECAM apareceu, o canal de rolagem ELAC1 falhou (e indicou falha até o final do voo) e a aeronave atingiu um ângulo de rolagem máximo de 51 graus para a esquerda.

Descendo através do FL315, a altitude da cabine atinge seu pico de 26.368 pés, o ELAC2 está desativado, os canais de rolagem e de inclinação são desativados, o controle de inclinação entra em “espera”.

Nos 9 minutos seguintes, o controle de tráfego aéreo (ATC) chamou repetidamente no rádio a tripulação do voo, sem receber resposta.

Vários avisos de controle duplo são registrados no gravador de dados de voo (FDR) do A319, a aeronave atinge uma razão de descida de 10.729 pés por minuto e atinge 349 nós de velocidade indicada.

A taxa de descida diminui até que, em torno do FL240, a taxa de descida é reduzida para abaixo de 100 pés por minuto. A aeronave se estabiliza a 23600 pés. Pela primeira vez, o copiloto parece ter vestido sua máscara de oxigênio de acordo com as gravações do CVR.

O segundo comandante usa seu dispositivo eletrônico de voo (Electronic Flight Bag) para revisar as cartas aeronáuticas e o FMGS é reprogramado para o desvio para Chengdu. Cerca de 9,5 minutos após o início da emergência, a aeronave retoma sua descida abaixo de 23.600 pés.

O ATC ainda não está recebendo uma resposta dos rádios mudos da tripulação, até que o piloto transmite cegamente mensagens por rádio através da frequência de aproximação de Chengdu, finalmente declarando Mayday ao descer para 6000 metros (FL197) e relatando a perda de pressão da cabine. O controlador libera o A319 a descer para 3600 metros, mas sem que a tripulação respondesse o recebimento da instrução.

Vinte minutos após o início do incidente, a altitude da cabine se reduz novamente para menos de 10.000 pés, a tripulação ajusta os flaps para posição 1, baixa o trem de pouso e ajusta os flaps na posição 3 para aterrissagem.

Quando a altitude da cabine desce através de 8900 pés, a tripulação tenta ligar a APU (Unidade Auxiliar de Energia) que, no entanto, falha por falta de energia. A tripulação anuncia (transmitindo às cegas) que estava virando à esquerda para pousar na pista 02R, e o controle de aproximação libera o espaço aéreo para o pouso.

Trinta minutos após o início, a aeronave pousa na pista 02R com velocidade de 156 nós e para na pista. A tripulação agora entra em contato com a torre, relata que havia feridos a bordo e não podia taxiar por meios próprios. As rodas principais nº 3 e nº 4 perderam pressão após o pouso.

Verificou-se que a FCU (Unidade de Controle de Voo) foi deslocada para o lado, o painel de 130VU foi completamente perdido da aeronave e mais tarde foi recuperado perto da cidade de Ya’an, província de Sichuan.

O copiloto e um comissário de bordo receberam ferimentos leves.

Sistemas danificados e desativados

A CAAC analisou que, após a explosão, dezessete disjuntores do pára-brisa no painel de 120VU pularam (desativaram-se), causando várias falhas no sistema, incluindo a falha do barramento CC (energia elétrica de corrente contínua).

Devido aos disjuntores desativados, o barramento CC 1 não pôde obter energia do barramento CA 1 (energia elétrica de corrente alternada). Os barramentos CC 1 e CC 2 ficam desligados e, com isso, a energia do barramento CC da bateria não era fornecida.

O que ocorreu no cockpit

A CAAC analisou que, imediatamente após o aparecimento das primeiras rachaduras, o copiloto estendeu a mão para seu dispositivo eletrônico de voo para ler as listas de verificação relacionadas, enquanto o comandante tocou o interior do pára-brisa e determinou que o painel interno estava fraturado, solicitando e iniciando uma descida e um desvio para Chengdu.

Enquanto o copiloto executava os procedimentos da lista de verificação, o pára-brisa falhou completamente e se separou, causando uma descompressão explosiva.

O copiloto foi sugado para fora de seu assento no fluxo de ar acelerado e impactou os componentes da cabine, incluindo o stick de controle da aeronave.

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Imagem do painel, bastante danificado após o incidente

O comandante assumiu o controle operando seu stick com a mão esquerda e, ao mesmo tempo, tentava vestir sua máscara de oxigênio, localizada perto da parte traseira esquerda de seu corpo. A aeronave treme violentamente, seu foco é controlar a aeronave, por isso ele não consegue pegar sua máscara de oxigênio com a mão direita.

Nos primeiros 65 segundos após a explosão do pára-brisa, a aeronave manteve velocidade de Mach 0,76 e uma razão de descida de cerca de 3000 pés por minuto, depois aumentou a razão atingindo 10700 pés por minuto e 349 nós de velocidade indicada na descida.

132 segundos após a explosão do pára-brisa, a aeronave alcançou o nível de voo FL237.

O comandante não usou os spoilers (freios aerodinâmicos de velocidade) durante a descida. O estado de voo foi controlado, mas a disponibilidade dos spoilers não era clara com as muitas falhas do sistema.

A 7200 metros, o comandante nivelou a aeronave e a velocidade gradualmente foi reduzida para 250 nós. Após manter 7200 metros por cerca de 5 minutos, o comandante iniciou a aproximação a Chengdu e continuou a descida.

A tripulação sabia que o ILS (Sistema de Pouso por Instrumento) da pista 02L em Chengdu estava fora de serviço e, portanto, transmitiu às cegas a mensagem de rádio de que aterrissaria na pista 02R. A aeronave estava excedendo o peso máximo de aterrissagem, portanto, a tripulação executou a lista de verificação relacionada.

O relatório elogia a tripulação: “Em resumo, a tripulação controlava o status de voo da aeronave, reportando a emergência ao ATC, mantendo a aeronave acima de uma altitude segura, etc, realizando todas as operações principais de acordo com os requisitos dos manuais da empresa”.

Gerenciamento de equipe e recursos no cockpit

A CAAC analisou o gerenciamento de recursos do cockpit (CRM), afirmando que, inicialmente, o comandante respondeu sozinho ao incidente e iniciou uma descida de emergência. Posteriormente, o copiloto conseguiu voltar ao seu lugar e o segundo comandante entrou no cockpit.

Embora não fosse possível uma comunicação verbal entre os membros da tripulação, eles se comunicaram por meio de gestos. O copiloto definiu no Transponder o código de emergência após retornar ao seu assento, enquanto o segundo comandante lembrou ao comandante que usasse suas máscaras de oxigênio (que, no entanto, nunca foram usadas, pois o comandante ainda não usava a máscara após o pouso) e indicou que as condições na cabine de passageiros eram normais.

Usando as cartas de navegação no dispositivo eletrônico de voo, a tripulação rastreava altitudes seguras sobre as montanhas. Durante a descida, o microfone de mão foi usado para declarar Mayday e informar ao ATC sobre a condição da aeronave e a intenção da tripulação.

O segundo comandante deu um tapinha nos ombros do comandante e do copiloto para encorajá-los e esfregou os ombros e os braços de ambos para aliviar o desconforto causado pelo frio.

Embora a tripulação tenha transmitido o status da aeronave e suas intenções ao ATC, eles nunca informaram as principais informações de que o pára-brisa havia explodido em condições de hipóxia, temperaturas congelantes, vento forte e alto nível de ruído.

O relatório elogiou a equipe novamente: “Durante o manuseio do incidente, a equipe demonstrou forte capacidade de CRM”.

Sobrevivência

A CAAC analisou que os fatores de risco à sobrevivência dos tripulantes incluíam descompressão explosiva, hipóxia, baixas temperaturas, alta velocidade do vento e alto ruído.

O cinto de segurança do copiloto prendeu a parte inferior do corpo na cabine, permitindo que ele voltasse para o assento. Uma simulação mostrou que a parte superior do corpo do primeiro oficial foi temporariamente sugada para fora do pára-brisa. Cabine, comissários de bordo e passageiros, embora também expostos a condições ambientais por conta da despressurização, foram menos expostos.

A descompressão explosiva causa expansão e separação repentinas de gases dissolvidos nos fluidos do corpo humano, formando bolhas e podendo causar danos aos tecidos. Ambos os comandantes relataram que não sentiram seus corpos após a perda de pressão na cabine.

O copiloto relatou dor no braço esquerdo após colidir com objetos duros, como painéis de instrumentos na cabine do piloto. Mais tarde, no hospital, ele foi diagnosticado com contusão no braço esquerdo.

O exame audiométrico mostrou que o comandante e o copiloto tiveram redução de sua audição. O copiloto foi posteriormente diagnosticado com “leve surdez neurossensorial de alta frequência”.

Enquanto o comandante permaneceu sem máscaras de oxigênio, desde a explosão do pára-brisa até o pouso, o copiloto foi capaz de vestir suas máscaras de oxigênio por cerca de 3 minutos e 12 segundos. Ambos relataram nunca perder a consciência.

Os dados do voo confirmam que realizaram manobras contínuas e corretas. Não há evidências de que qualquer tripulante do voo tenha sofrido um declínio no entendimento, análise e julgamento. Assim, pode-se determinar que tanto o comandante quanto o copiloto não ficaram parcialmente incapacitados.

O tempo de consciência útil é amplamente determinado por fatores genéticos que determinam a quantidade de hemoglobina disponível e a taxa de consumo de oxigênio. Objetivamente, o comandante e o copiloto foram expostos à hipóxia, porém, devido à rápida descida, nenhum deles excedeu seu respectivo tempo efetivo de consciência.

As temperaturas no cockpit após o pára-brisa estourar variaram entre -24º e +8ºC. A temperatura operacional do dispositivo eletrônico de voo variou entre 0°C e 35°C.

Os humanos, com suas roupas, à temperatura ambiente e à velocidade do vento no cockpit, foram expostos à sensação térmica de -10°C, que o corpo pode tolerar por 11 minutos. Com a rápida descida, as temperaturas aumentaram, portanto, nem os humanos receberam congelamentos nem o dispositivo falhou.

Causa provável

A CAAC fez um detalhado estudo da evolução técnica do problema no pára-brisa, de forma que o relatório conclui que a causa provável do acidente foi:

“O selo de vedação do pára-brisa direito da aeronave B-6419 foi danificado, as cavidades dentro do pára-brisa permitiram que umidade se acumulasse na borda inferior do pára-brisa. Devido à imersão a longo prazo, ocorreu o isolamento dos fios de energia do aquecimento do pára-brisa, e ocorreram arcos contínuos em um ambiente úmido. As temperaturas causadas pela formação de arco causaram a fratura das camadas duplas de vidro, o para-brisa não aguentou mais a diferença de pressão entre a pressão externa e a interna, e a explosão ocorreu.”

Informações pelo The Aviation Herald

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Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

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