Há 50 anos, o voo supersônico civil sobre os EUA foi proibido; hoje, a NASA foca em mudar essa regra

NASA Avião X-59 Quiet QueSST Supersônico Silencioso
Concepção gráfica do X-59 – Imagem: NASA

Cinquenta anos atrás, o governo federal dos Estados Unidos proibiu todos os voos supersônicos civis sobre a terra. A regra proíbe aeronaves não militares de voar com velocidade superior à do som, de modo que seus estrondos sônicos resultantes não assustem o público abaixo ou os preocupem com possíveis danos à propriedade.

Entrando em vigor oficialmente em 27 de abril de 1973, a introdução da proibição foi fortemente influenciada por pesquisas de opinião pública em cidades onde jatos militares supersônicos sobrevoavam, e muitas pessoas disseram que não gostaram do que ouviram ou da maneira como suas janelas tremeram por causa dos estrondos sônicos.

Embora algumas pesquisas sugerissem maneiras de suavizar o impacto dos estrondos sônicos, a tecnologia aeronáutica durante os anos 1960 e início dos anos 1970 não era sofisticada o suficiente para resolver totalmente o problema a tempo de impedir que a regra fosse promulgada.

Hoje, a NASA está trabalhando em uma solução.

“É uma regra que muitas pessoas hoje não estão cientes, mas está no centro do que é nossa missão Quesst com seu silencioso avião supersônico X-59”, disse Peter Coen, gerente de integração da missão Quesst (sigla para Quiet SuperSonic Technology, ou Tecnologia Supersônica Silenciosa).

NASA Avião X-59 Quiet QueSST Supersônico Silencioso
Concepção gráfica do X-59 – Imagem: NASA

O X-59 da NASA foi projetado para voar mais rápido que o som, mas com ruído drasticamente reduzido – as pessoas abaixo devem ouvir apenas “baques” sônicos em vez de estrondos, se é que ouvirão alguma coisa.

Para testar a percepção do público sobre esse ruído, parte do plano da missão Quesst inclui voar o X-59 sobre várias comunidades para pesquisar como as pessoas reagem.

A NASA entregará os resultados aos reguladores americanos e internacionais, que considerarão novas regras que suspenderiam a proibição que está em vigor há tanto tempo. O objetivo é uma mudança regulatória que se concentre no som que uma aeronave cria, em vez de um limite de velocidade.

“Estamos definitivamente prontos para escrever um novo capítulo na história do voo supersônico, tornando as viagens aéreas por terra duas vezes mais rápidas, mas de uma forma segura, sustentável e muito mais silenciosa do que antes”, disse Coen.

O X-59 sendo montado – Imagem: Lockheed Martin

Boom (Estrondo) sônico

As origens da proibição federal de voos supersônicos remontam a 1947, a primeira vez que o avião movido a foguete, o XS-1, quebrou a barreira do som e iniciou a era heroica da pesquisa mais rápida que o som.

No início, tudo se tratava de aprender a pilotar aviões X mais rápido e mais alto. Ninguém pensou em dar atenção aos estrondos sônicos, principalmente porque poucas pessoas viviam onde a pesquisa estava sendo realizada.

Apesar do interesse inicial no que era então um fenômeno misterioso criado quando um avião voa mais rápido que a velocidade do som, gerando ondas de choque atmosféricas que ouvimos como estrondos sônicos, havia poucas ferramentas e apenas dados limitados disponíveis para ajudar a entender o que estava acontecendo.

Mas quando a Força Aérea e a Marinha começaram a implantar um grande número de jatos supersônicos em bases em todo o país, o interesse em estrondos sônicos cresceu rapidamente à medida que mais pessoas foram expostas ao ruído frequentemente alarmante.

Começando em 1956 e continuando até a década de 1960, a Força Aérea, a Marinha, a NASA e a Administração Federal de Aviação (FAA) empregaram recursos para estudar como os estrondos sônicos se formavam sob várias condições, quais poderiam ser seus efeitos nas construções e como o público reagiria em locais diferentes.

Durante anos, usando muitos tipos de jatos supersônicos, residentes de Atlanta, Chicago, Dallas, Denver, Los Angeles e Minneapolis, entre outros, foram expostos a estrondos sônicos de caças militares e bombardeiros voando em alta altitude.

Dois estudos concentrados – um sobre St. Louis em 1961 e outro sobre a cidade de Oklahoma em 1964 (apelidados de Bongo e Bongo II, respectivamente) – não deixaram dúvidas de que o público não apoiava totalmente os estrondos sônicos de rotina vindos de cima.

Os testes geraram notícias nacionais e alimentaram um sentimento fortemente negativo sobre o voo supersônico.

O Transporte Supersônico

Como esse trabalho para melhor entender e prever a formação do boom sônico continuou e deu origem às primeiras noções de como minimizar um estrondo sônico alterando a forma de um avião, o governo dos EUA começou a trabalhar com a indústria na tentativa de desenvolver o Transporte Supersônico, ou SST na sigla em inglês.

O anúncio do SST pelo presidente John F. Kennedy em junho de 1963 despertou o interesse em estudar e mitigar explosões sônicas do ponto de vista técnico, tornando a pesquisa uma prioridade máxima.

O projeto SST visava produzir o protótipo de um novo avião supersônico comercial, capaz de transportar até 300 passageiros em qualquer lugar do mundo a velocidades três vezes maiores que a velocidade do som. (Ao nível do mar e a 20º Celsius, a velocidade do som é de 1236 km/h).

A comunidade da aviação estava correndo para desenvolver sua compreensão das ondas de choque supersônicas para reduzir os potenciais níveis de ruído do estrondo sônico do SST. Mas esses pesquisadores não conseguiram superar a velocidade com que as preocupações ambientais e as discussões políticas estavam surgindo, ameaçando aterrar a aeronave antes mesmo de ser construída.

Três eventos durante o verão de 1968 demonstraram isso:

– Em 31 de maio, durante uma cerimônia na Academia da Força Aérea no Colorado, um caça a jato F-105 Thunderchief quebrou a barreira do som voando 50 pés (15 metros) sobre o terreno da escola. O estrondo sônico estourou 200 janelas na lateral da icônica Capela da Força Aérea e feriu uma dúzia de pessoas.

– Uma semana depois, em 8 de junho, o New York Times publicou um editorial usando o incidente no Colorado para enfatizar o perigo que os estrondos sônicos representam para a paz e o bem-estar da nação, alegando que muitos estavam “morrendo de medo disso”.

– Isso teve sequência em 21 de julho, com o Congresso instruindo a FAA a desenvolver padrões para o “Controle e redução de ruído de aeronaves e estrondo sônico”.

Em alguns anos, a FAA propôs formalmente uma regra que restringiria a operação de aeronaves civis em velocidades superiores a Mach 1 (indicador para 1 vez a velocidade do som). Então, em maio de 1971, o Congresso cancelou o programa SST e a regra que proibia voos supersônicos civis sobre terra entrou em vigor dois anos depois.

Durante esse mesmo período, a Grã-Bretanha e a França estavam desenvolvendo e testando o Concorde, que passou a fornecer viagens aéreas supersônicas comerciais entre 1976 e 2003. Houve muitas razões para o fim do famoso avião, incluindo o acidente fatal em 2000, mas problemas econômicos e ambientais estavam no topo da lista.

Além disso, as restrições contra voar mais rápido do que o som sobre a terra devido à proibição nos EUA e em outros lugares limitaram muito suas opções de geração de receita.

Velocidade versus Som

Seguindo em frente, para suspender a proibição e permitir um mercado viável para viagens aéreas supersônicas sobre terra, a ideia é que os reguladores baseiem as novas regras em um padrão diferente do anterior.

O limite de velocidade criado em 1973 não considerava a possibilidade de um avião voar supersônico sem criar estrondos sônicos que pudessem afetar qualquer pessoa abaixo. Foi uma avaliação justa na época, porque a tecnologia necessária para fazer isso acontecer ainda não existia.

Mas agora, em vez de uma regra baseada apenas na velocidade, a proposta é que a regra seja baseada no som. “Se o som de um voo supersônico não for alto o suficiente para incomodar alguém abaixo, não há razão para que o avião não esteja voando supersônico”, disse Coen.

Durante o último meio século, os inovadores aeronáuticos da NASA trabalharam metodicamente com o desafio de acalmar o estrondo. O X-59 da Quesst está a caminho de provar essa tecnologia, com sobrevoos comunitários e importantes pesquisas públicas logo depois.

Ainda assim, a aceitação pública de aeronaves supersônicas voando hoje vai muito além do ruído do estrondo sônico. O ruído do aeroporto, as emissões e o impacto climático são fatores que ainda precisam ser abordados.

Com seu governo, indústria e parceiros acadêmicos, a NASA também está trabalhando para resolver esses desafios. Mas nada disso importará até que o primeiro passo – suspender a proibição de meio século de voo supersônico sobre a terra – seja realizado.

“Estamos muito entusiasmados por dar este grande passo adiante, mas reconhecemos que mais precisa ser feito”, finalizou Coen.

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

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