Início Empresas Aéreas

Prejuízo das aéreas no Brasil foi de R$ 54 bilhões de 2010 a 2022; CEO da ALTA indaga se será preciso perder a conectividade

Imagem: Zurich Airport Brasil

O brasileiro José Ricardo Botelho, CEO da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (ALTA), publicou hoje um artigo em sua coluna “Sobrevoando a América Latina e o Caribe”, no qual faz um alerta sobre uma profunda mudança que precisa ocorrer na forma como o Brasil enxerga e cuida de sua aviação de transporte aéreo comercial.

Para esta abordagem do cenário brasileiro, o executivo destaca o prejuízo expressivo de 54 bilhões de reais acumulado pelas empresas aéreas do país entre 2010 e 2022, e faz um questionamento sobre até quando se estenderá essa situação e se será preciso perder a conectividade aérea para acreditar que muita coisa precisa ser mudada.

Acompanhe a seguir o conteúdo integral publicado por Botelho.

Até quando? Precisamos perder a conectividade para acreditar?

Por José Ricardo Botelho, CEO da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo – ALTA

No cenário atual, a indústria aérea brasileira apresenta sinais evidentes de que necessita de oxigênio para garantir sua sustentabilidade. Neste imenso país, o setor enfrenta adversidades significativas que transcendem uma única empresa, abrangendo questões fundamentais que atingem não apenas as companhias aéreas já estabelecidas, mas também aquelas que desejam entrar no mercado e a própria população.

De 2010 a 2022, as companhias aéreas no Brasil acumularam um prejuízo expressivo de 54 bilhões de reais, com apenas três anos de lucro líquido (2010, 2017 e 2019). Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC – os números para o período de janeiro a setembro de 2023 indicam um prejuízo de 1,5 bilhão de reais.

Estamos diante de uma realidade que exige ação imediata para reverter o quadro. E todos estão emitindo os mesmos sinais de alerta: os custos operacionais, judicialização, segurança jurídica para investimento e ausência de uma visão estratégica para um serviço publico essencial em um país continental como o Brasil.

Os desafios operacionais da aviação, notadamente o combustível, que representa 40% desses custos, têm sido um fator determinante para a inviabilidade econômica das empresas. É intrigante perceber que, ao precificar o QAV (querosene de aviação), seja utilizada a fórmula do PPI sobre 100% do combustível distribuído, mesmo que 92% seja produzido internamente no Brasil. Até quando os milhões de brasileiros serão sacrificados por isso? Por que não se debruçar sobre o problema de maneira real e buscar uma solução adequada?

Essa disparidade requer uma análise aprofundada, especialmente quando se considera o impacto direto nos custos operacionais das companhias aéreas. Não falamos apenas da viagem a negócio, mas o turismo no país também não consegue desenvolver todo o seu potencial. Um país, lindo, com riquezas naturais diversas e únicas, termina impedido de que tudo isso esteja a apenas um voo de distância.

Em 2020, a promulgação da Lei 14.034 trouxe consigo importantes medidas, incluindo a introdução do artigo 251-A no Código Brasileiro de Aeronáutica. Esta legislação estipulou a obrigatoriedade de comprovação do dano extrapatrimonial em situações de falhas contratuais no transporte. Contudo, paira a dúvida sobre até quando as decisões judiciais deixarão de aplicar essa legislação de maneira consistente. É inegável a existência de insegurança jurídica no país.

Na realidade, essa instabilidade tem se tornado um obstáculo à entrada de novas empresas estrangeiras no mercado brasileiro, as quais poderiam trazer investimentos significativos e impulsionar o setor aéreo. Quanto ao impacto interno, persiste a questão de até quando as empresas nacionais serão culpadas por supostos nexos causais inexistentes, alegando-se “risco do negócio”?

Responsabilizar essas empresas por eventos como chuvas, tempestades e fechamento do espaço aéreo não faz sentido, especialmente quando a decisão de não voar é tomada visando a preservação de vidas. Algo está errado quando o Brasil lidera em número de ações judiciais no mundo, e uma indústria de “sites abutres” é fomentada para promover litígios, mesmo com as companhias nacionais sendo reconhecidas entre as mais pontuais do planeta. Isso contraria princípios básicos do direito.

É fundamental que o sistema judiciário adote uma abordagem coesa em relação à Lei 14.034. Isso não apenas fortalecerá a segurança jurídica, mas também aliviará a carga sobre o sistema judicial, trazendo benefícios para toda a sociedade. No final das contas, está se perpetuando uma injustiça que prejudica a própria sociedade que se pretende proteger.

Até quando continuaremos a negligenciar uma visão sistêmica do problema, em escala nacional? Até quando não se entenderá que aplicar o direito sem uma análise econômica e sem vislumbrar o impacto social que está causando é condenar milhões à ausência de voo em suas localidades?

Durante a pandemia, enquanto outras nações investiram em sua aviação, no Brasil não houve qualquer ajuda financeira. E, esclareça-se, ninguém estava pedindo doação, mas medidas de mercado que pudessem permitir a sobrevivência de um setor vital para o país. O Brasil precisa reconhecer a importância da conectividade para o seu desenvolvimento.

Os indícios são evidentes, e é imperativo despertar para a necessidade de medidas urgentes. Brigar contra os fatos não é produtivo. A complexidade da situação aumenta a cada dia, e culpar unilateralmente um dos lados não é justo. A passividade pode comprometer todo o sistema, e a história nos ensina que medidas de última hora nem sempre possuem a racionalidade que um setor de capital intensivo necessita.

Sem uma infraestrutura aérea robusta, o crescimento econômico e as condições de vida ideais tornam-se inatingíveis. É o momento de enfrentar esses desafios de maneira direta, afastando o populismo e as promessas vazias, pois a falta de apoio ao setor afeta a todos. Pagar para ver não fará bem à sociedade brasileira.

Não estamos em busca de soluções mágicas ou uma bala de prata, mas é hora de fazer um esforço coletivo para olharmos com orgulho para o céu, admirando a herança de Santos Dumont. Isso não é mera retórica, basta observar o valor atribuído pelo país dos irmãos Wright, onde até a legislação relacionada à recuperação judicial é mais segura do que a brasileira e é buscada por todos.

O que falta neste país que possui quase o mesmo PIB da França, da Itália, Rússia, maior que Austrália, Espanha, dentre outros, ter a mesma conectividade? Vamos pensar? Por que apenas 0,5% dos brasileiros acessam o transporte aéreo? Vamos pensar?

Um setor aéreo saudável é um motor essencial para o progresso. Mesmo diante das dificuldades, a aviação desempenha um papel crucial para o turismo brasileiro, contribuindo para os 7,8% do PIB que esse setor representa. Além disso, desempenha um relevante papel social, exemplificado pelo transporte gratuito de 5.820 itens para transplantes (órgãos, tecidos, equipes e materiais, entre outros) em 2023, de acordo com dados da Central Nacional de Transplantes (CNT).

Precisamos trabalhar juntos: governo, cadeia produtiva e empresas para superar os obstáculos, garantindo que o Brasil voe cada vez mais alto. É recomendável que se escute o som deste motor antes que a conectividade do país seja comprometida de maneira insustentável.

Sair da versão mobile