Saindo quase no final da pista, Boeing 737 decolou com menos potência do que o necessário

Foto: Arthur CHI YEN

Um Boeing 737 fez uma decolagem no Aeroporto de Bristol com potência insuficiente para atender às normas de desempenho exigidas atualmente.

O caso aconteceu em 4 de março deste ano com um Boeing 737-800 de matrícula G-FDZS da companhia aérea britânica e operadora turística TUI. A bordo estavam 6 tripulantes e 163 passageiros.

Na decolagem deste voo para Las Palmas nas Ilhas Canárias, o controle de potência automático, chamado de autothrottle e abreviado como A/T, foi desligado quando o modo de decolagem foi selecionado, ainda no início da corrida de decolagem, e, posteriormente, o empuxo definido manualmente pela tripulação (84,5% de N1) foi menor do que o necessário para a decolagem (92,8% de N1).

Nenhum dos pilotos percebeu que o empuxo estava configurado incorretamente, e isso não foi detectado pelos procedimentos operacionais padrão (SOPs).

O N1 indica o percentual de rotação (RPM) do compressor de baixa pressão, e é um dos principais indicativos de potência nos motores aeronáuticos que funcionam a reação (turbina).

Este voo fazia parte do de treinamento em linha (instrução prática) para um novo comandante que estava sentado na cadeira da esquerda, acompanhado de um comandante instrutor, atuando como piloto em comando da aeronave, sentado na cadeira da direita.

O interruptor para armar o A/T no Painel de Controle de Modo de Voo (MCP) foi configurado para a posição armado (ARM) durante os procedimentos antes da partida, conforme os SOPs da TUI preconizam.

A aeronave taxiou até a pista 09 de Bristol às 11h04 e foi autorizada para decolagem logo em seguida. O piloto na esquerda entregou o controle da aeronave ao piloto da direita, que seria o PF (piloto voando) para este voo. O PF avançou as alavancas de potência para 40% de N1 e aguardou a estabilização dos motores antes de pressionar o botão de Decolagem/Arremetida (TOGA), que aciona tanto o A/T no modo N1 quanto o sistema de piloto automático/diretor de voo (AFDS) no modo de decolagem.

Neste ponto, o A/T foi desativado com um aviso associado e o interruptor de armar do A/T no MCP foi reativado pelo PM (piloto de monitoramento) quase imediatamente depois. No mesmo momento, o PF avançou manualmente as alavancas de potência em direção à configuração necessária para decolagem antes de liberar elas para o PM controlar, conforme os SOPs.

Quando o interruptor de armar do A/T foi reativado no MCP após a desativação inicial do A/T, ele não controlou os servomecanismos das alavancas de potência como os pilotos esperavam e, em vez disso, entrou em modo armado, mas não ativado de fato.

Como resultado, as alavancas de potência não avançaram para a configuração de empuxo necessária e nenhum dos pilotos as moveu da posição em que o PF as havia deixado. Apesar dos SOPs exigirem que a potência seja configurada a 60 nós de velocidade e verificada como correta a 80 nós, a configuração incorreta foi ignorada por ambos os pilotos. Isso resultou em uma decolagem da aeronave com significativamente menos empuxo do que o necessário (84,5% de N1), com a redução associada no desempenho da aeronave.

O ponto de rotação foi a 260 metros do final da pista e a aeronave cruzou o final da pista a uma altura de aproximadamente 10 pés (3 metros), ao invés dos 35 pés (10 metros) preconizados na aviação. Ambos os pilotos notaram o quão próximo estavam do final da pista e relataram isso ao AIBB, o órgão britânico que ainda investiga o caso.

Ainda segundo o AIBB, o restante do voo para Las Palmas foi tranquilo, exceto por várias tentativas de reativar o A/T e os subsequentes desligamentos.

Investigação ainda avança

O órgão investigou o MCDU, que é a Unidade de Controle e Exibição Multifuncional, que permite que o pessoal de manutenção verifique a integridade de vários subsistemas da aeronave, incluindo o A/T, e investigue quaisquer falhas registradas. O histórico de falhas para o A/T mostra que 11 falhas (foto acima) foram registradas no voo para Las Palmas, mas nenhuma falha foi registrada no voo de retorno para o Reino Unido ou no dia anterior ao ocorrido.

Cinco das 11 falhas registradas estavam relacionadas as desconexões não comandadas do A/T. A primeira dessas falhas registradas ocorreu às 11h04 quando, segundo os dados da caixa-preta, o 737-800 estava na pista no início da corrida de decolagem.

O sistema A/T do 737 Next Generation pode controlar o empuxo desde a decolagem até o pouso. Os valores limitantes de N1 são normalmente fornecidos pelo computador de voo (FMC). Cada alavanca de potência é movida por um motor de servo autothrottle (ASM) independente. As alavancas podem ser movidas manualmente ou, se o A/T estiver engajado e ativo, os motores de servo posicionarão as alavancas de empuxo para cumprir os requisitos de empuxo calculados.

Este sistema de potência automática é ativado como parte dos procedimentos antes da partida, após os valores de desempenho terem sido inseridos no FMC. Uma vez que a decolagem começa, o piloto avança as alavancas de potência manualmente para 40% de N1 e espera que a potência do motor se estabilize antes de pressionar o botão TOGA. Pressionar este botão move o A/T do modo ARM para o modo N1 e os ASMs avançarão automaticamente as alavancas para o valor de empuxo de decolagem inseridos no FMC.

Quando a aeronave atinge 84 nós de velocidade indicada, o modo do A/T muda para throttle hold e os ASMs são isolados das alavancas de potência. Isso é para evitar qualquer movimento não comandado das alavancas durante o resto da corrida de decolagem e a subida inicial. O A/T retorna ao modo armado a 800 pés de altura.

O A/T se torna ativo novamente quando o piloto seleciona o modo N1 na altitude de redução de potência para configurar o empuxo de subida. O A/T se desligará automaticamente quando uma falha no sistema for detectada.

O fabricante descreveu o sistema A/T do 737 como tendo um longo histórico de desconexões incômodas durante os engajamentos do modo de decolagem. Quando o histórico de falhas do A/T é verificado, muitas vezes aparecem mensagens de falha para o motor de servo autothrottle (ASM) para as alavancas de potência 1 ou 2.

Normalmente, verificações subsequentes de funcionalidade no sistema não encontram falhas. Investigações realizadas pelo fabricante da aeronave juntamente com o fabricante do ASM descobriram que um modelo anterior do motor era mais suscetível a eventos de energização ou transferência de energia, o que pode fazer com que o ASM desligue internamente e cause uma desconexão do A/T quando o botão TOGA é pressionado.

Um modelo mais novo do ASM é mais robusto para os problemas associados a eventos de energização e transferência de energia, e o fabricante recomenda que qualquer operador do 737NG afetado por essas desconexões deve adaptar suas aeronaves com o modelo mais novo do ASM e o software associado do Computador de Controle de Voo. No momento deste evento, o 737-800 de matrícula G-FDZS, envolvido no caso, estava equipado com o modelo anterior dos ASMs.

O Boletim e o relatório preliminar do AAIB podem ser consultados neste link. Este caso de decolagem no limite da pista é similar (em resultado mas não necessariamente em causas) ao que aconteceu com um jato Embraer E195 da Azul em Congonhas recentemente:

Carlos Martins
Carlos Martins
Fascinado por aviões desde 1999, se formou em Aeronáutica estudando na Cal State Long Beach e Western Michigan University. #GoBroncos #GoBeach #2A

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