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“Ter apenas um piloto na cabine não vale o risco”, aponta consultoria de aviação

Foto: Lufthansa

Com uma escassez de pilotos em andamento em diversos mercados do mundo e que estima um déficit de cerca de 260.000 profissionais na próxima década, alguns dos grandes nomes da indústria propuseram uma maneira de conter o problema a partir da operação de cabines com apenas um piloto.

A sugestão vem causando ondas de reações em todo o setor e tanto a Agência de Segurança da Aviação da União Européia (EASA) quanto a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA) lançaram investigações sobre o assunto. O objetivo é avaliar se a mudança de uma operação com dois pilotos é a solução certa.

Há 30 anos há dois pilotos na cabine

A norma de ter dois pilotos, o comandante e o primeiro oficial, a bordo da aeronave comercial existe há cerca de 30 anos e derivou dos avanços tecnológicos em comunicação de rádio, sistemas de navegação e ferramentas de monitoramento a bordo. Antes, eram necessários cinco pilotos em um cockpit. No entanto, a mudança proposta de dois para um piloto a bordo provavelmente será muito mais difícil devido a vários riscos de segurança.

“São inúmeras as preocupações que acompanham essa mudança estrutural”, observa Alison Dsouza, diretor da Aerviva Aviation Consultancy, consultoria internacional com sede em Dubai, especializada em recrutamento de aviação e gestão de documentos. “Os dois pilotos a bordo assumem funções vitais durante todas as etapas de um voo – um piloto está pilotando ativamente o avião, enquanto o outro monitora a instrumentação, gerencia a lista de verificação e se comunica com a torre de controle aéreo. Você pode ver como, sem o copiloto, o voo se torna muito difícil, mesmo um muito experiente.”

Dsouza explica ainda que um único piloto pode ficar sob imenso estresse se houver uma emergência e, sem backup a bordo, isso pode se tornar desastroso. É uma barreira psicológica extremamente alta para um piloto solitário transpor, pois não terá mais ninguém em quem confiar. Além disso, também significa aumento de horas de trabalho e responsabilidades e requisitos ainda mais rigorosos para os pilotos se qualificarem.

Estimativa irrealista

A EASA também concluiu recentemente no EASA Safety Risk Assessment Framework que as operações comerciais de piloto único até 2023 são consideradas irrealistas, afirmando que o voo solo requer uma segurança equivalente às operações existentes e a automação não avançou muito para apoiar a implementação.

No entanto, a Agência não descarta que até 2027 algumas fases do voo tenham um piloto na cabine, mas ainda em regime de testes pontuais. Dsouza concorda que, embora tecnologias inovadoras tenham sido introduzidas, é muito improvável substituir a experiência e o nível de segurança de ter um copiloto humano.

“Existem vários exemplos nas últimas duas décadas em que apenas ter dois pilotos experientes ajudou a evitar algumas das maiores catástrofes da aviação, como o incidente do rio Hudson em 2009. Duas cabeças sempre pensam melhor do que uma em uma carreira tão responsável e arriscada como a de um piloto comercial, e nenhuma tecnologia atual poderia compensar isso.”

No entanto, a probabilidade de operações de um único piloto não é um dilema novo. A questão da fadiga dos pilotos foi levantada pela European Cockpit Association já em 2012. Mais de 50% dos pilotos pesquisados disseram ter experimentado fadiga que prejudicou sua capacidade de ter um bom desempenho durante o serviço de voo.

Um total de 93% dos pilotos na Dinamarca disseram que tiveram que lidar com a fadiga enquanto estavam no cockpit, a Alemanha logo atrás com 92% e a Suécia com 89%. A fadiga tem sido citada como um fator principal em vários acidentes e incidentes graves desde então.

Opinião pública

A opinião pública também se opõe às operações de piloto único. A pesquisa realizada pela Air Line Pilots Association (ALPA) em 2019 descobriu que até 85% dos viajantes se sentiriam desconfortáveis em um voo sem dois pilotos, sem mencionar os voos totalmente automatizados.

À medida que a indústria da aviação tenta lidar com a questão da escassez global de pilotos, propostas ousadas como a ideia do cockpit de um piloto não são um risco que vale a pena correr agora, especialmente considerando os perigos que as operações de piloto único carregam.

Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.
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