Cadinho sujo fez motor de avião A220 falhar de forma catastrófica, aponta relatório

As lâminas da turbina danificadas após a falha no motor do A220

Nesta quinta-feira, 3 de março de 2022, o NTSB, órgão que investiga incidentes e acidentes na aviação e nos transportes em geral nos Estados Unidos, divulgou seu relatório final apresentando a provável causa de um grave incidente ocorrido em 26 de dezembro de 2018 durante um voo comercial com uma aeronave da companhia Korean Airlines.

Na ocasião, o avião Bombardier C-Series CS-300 (modelo hoje denominado de Airbus A220-300), registrado sob a matrícula HL8314, estava realizando o voo KE-753, de Busan, na Coreia do Sul, para Nagoya, no Japão, com 64 pessoas a bordo, quando os pilotos pararam a subida no FL290 (nível de voo de 29 mil pés, ou cerca de 8.800 metros de altitude) devido a uma falha do motor esquerdo, modelo PW1521.

A aeronave foi levada de volta a Busan e efetuou um pouso seguro cerca de uma hora após a partida.

Airbus A220 da Korean, semelhante ao envolvido no incidente – Imagem: Alan Wilson / CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons

Descobertas inciais

Após o início das investigações, em 15 de fevereiro de 2019 o NTSB informou que a tripulação ouviu um estrondo alto seguido de vibrações, seguido de um aviso de incêndio no motor. Os pilotos desligaram o motor e retornaram à origem, e uma inspeção pós-voo revelou danos nos discos da turbina do motor esquerdo e vários furos na caixa de contenção da turbina de baixa pressão. Nenhuma evidência de um incêndio no motor foi descoberta.

No momento da falha, o motor havia acumulado 417 horas de voo em 529 ciclos desde novo.

Resultado da investigação

O NTSB divulgou nesta quinta-feira seu relatório final, analisando o que segue:

A tripulação de voo relatou ter ouvido um estrondo alto que foi seguido por vibrações e um aviso de incêndio no motor. A tripulação desligou o motor e o avião retornou a Busan sem mais incidentes.

O motor foi removido do avião e enviado para o Columbus Engine Center da P&W, em Columbus, Geórgia, para desmontagem e exame.

O exame do motor revelou que a lâmina (ou também chamada de pá) de número 52 de estágio 3 da turbina de baixa pressão (LPT – Low Pressure Turbine) tinha uma superfície de fratura lisa, planar e de formato elíptico em sua metade traseira na região onde houve a falha catastrófica do material.

O exame metalúrgico da lâmina nº 52 mostrou que o tamanho do grão do metal e a dureza estavam de acordo com os requisitos para a liga de níquel IN-100 especificada. A espectroscopia dispersiva de energia (EDS) da lâmina nº 52, feita longe da origem da trinca de fadiga, produziu um espectro que foi consistente com os requisitos da IN-100.

No entanto, a EDS na trinca intergranular preexistente e na origem da trinca de fadiga produziu um espectro que apresentou picos de zircônio e háfnio.

A empresa de fabricação metalúrgica Arconic sugeriu que o nível elevado de zircônio observado na EDS poderia ser do cadinho de zircônia no qual a liga de níquel foi derretida. (Nota: cadinho é o nome do recipiente em forma de pote, normalmente com características refratárias, resistente a temperaturas elevadas, no qual são fundidos materiais a altas temperaturas).

Uma vez que todas as lâminas deste motor e muitos outros foram fundidas em liga de níquel derretida em um cadinho de zircônia e o evento da Korean Air foi a única fratura da lâmina de IN-100 do estágio 3 da LPT, isso sugeriria que o nível elevado de zircônio observado provavelmente não foi um fator importante na falha da lâmina.

O háfnio, no entanto, não é um dos elementos de liga do IN-100. Trata-se de um dos elementos da liga MAR-M-247, que, segundo os registros da Arconic, era a liga que havia sido fundida no cadinho imediatamente antes deste ser usado para fundir a liga de níquel IN-100 que se tornaria a lâmina nº 52 do motor do A220 em questão.

A presença do háfnio na trinca intergranular pode significar que houve a formação de uma estrutura frágil localizada, que trincou muito cedo no ciclo de vida da lâmina, progredindo para trinca de fadiga e levando à fratura e consequente perda de potência do motor.

A Arconic afirmou que os cadinhos são limpos entre os vazamentos de fundição. No entanto, a empresa concorda que a presença do háfnio na lâmina fraturada sugere que a limpeza do cadinho foi inadequada.

De acordo com a Arconic, as lâminas passam por várias inspeções pós-fundição, incluindo inspeção visual, fluorescente penetrante (FPI) e raios-x. O exame metalúrgico da lâmina fraturada mostrou que a trinca de fadiga originou-se de uma trinca intergranular subsuperficial.

Uma vez que a origem da falha foi uma trinca intergranular subsuperficial, presumindo que estivesse trincada já no momento das inspeções visuais pós-moldagem, não teria sido detectável uma vez que as inspeções visuais e FPI exigem que o defeito seja uma quebra de continuidade de superfície para ser detectável.

A trinca intergranular inicial provavelmente envolveu apenas alguns cristais, que seriam muito menores do que um defeito de 0,020 polegada (0,51 milímetro).

Causa provável

Portanto, o relatório final do NTSB sobre a investigação do incidente grave indica que a causa provável foi a limpeza inadequada do cadinho pelo fabricante antes de fundir a liga de níquel, que foi utilizada na produção das lâminas do estágio 3 da turbina de baixa pressão. O resultado foi uma anomalia de fundição, de onde ocorreu uma trinca intergranular, que se tornou a origem de uma trinca de fadiga responsável pela fratura da lâmina.

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

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