Como passageiros vão ser impactados em caso de fusão entre Gol e Azul? Advogado analisa

A possibilidade fusão entre a Gol e a Azul ganhou impulso e pode representar um marco significativo, com nova consolidação no setor de aviação brasileiro, podendo alterar a dinâmica concorrencial, além de impactar amplamente os stakeholders de ambas as empresas.

No início do ano, a especulação era diferente: chegou ao mercado a divulgação de que a Azul teria contratado bancos para uma possível estruturação de uma oferta pela Gol para aquisição. Não se pode ignorar, no entanto, que essa movimentação pode estar ligada ao pedido de recuperação judicial – a Chapter 11, nos Estados Unidos – que a companhia aérea de cor laranja realizou no começo de 2024. Vale lembrar que a Azul já mostrou interesse em grandes aquisições como a da Avianca Brasil e Latam, em 2019 e 2021 respectivamente, jamais concretizadas.

Embora a Azul também acumule dívidas na casa dos bilhões de reais, a empresa é considerada mais saudável financeiramente do que a Gol – e, por isso, tem valor de mercado maior e seus acionistas se tornarão majoritários, caso haja o acordo entre as empresas. Levando em consideração essa possibilidade de uma fusão, quais seriam as consequências para seus principais stakeholders (grupos de interesse das companhias aéreas), em especial, os consumidores?

Para Fernando Canutto, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Empresarial e Societário, a união das operações da Gol e da Azul pode levar a uma óbvia concentração de mercado, reduzindo a concorrência. “Historicamente, tal concentração pode resultar em aumento de tarifas, afetando diretamente os consumidores que dependem do transporte aéreo, seja para viagens de negócios ou lazer”, explica.

A dinâmica regulatória brasileira, incluindo limitações para operação de empresas estrangeiras e altos custos operacionais, vem favorecendo a concentração de mercado no setor aéreo, com seu natural impacto à concorrência.  No Brasil, a legislação, até 2018, limitava a propriedade estrangeira em companhias aéreas nacionais, o que restringia a entrada de novos competidores internacionais no mercado.

“Além disso, o setor aéreo brasileiro é caracterizado por altos custos operacionais, incluindo taxas de aeroporto, variação cambial, custos com combustível e encargos trabalhistas. Esses fatores econômicos criam um ambiente desafiador para novas empresas e podem limitar a capacidade de companhias aéreas menores de competir efetivamente com players maiores e estabelecidos, como Gol e Azul”, destacou o advogado.

Por outro lado, o advogado também entende que essa aquisição pode gerar uma rede de rotas mais ampla e conectada, potencialmente oferecendo aos consumidores mais opções de destinos e horários. “A complementaridade das malhas aéreas das duas companhias pode levar a uma otimização de rotas, beneficiando o passageiro”.

Impactos para outros stakeholders

Existe a possibilidade de redundâncias nos quadros de funcionários das duas empresas, gerando incertezas e preocupações quanto à manutenção de empregos. Entretanto, também podem surgir oportunidades de realocação e integração de talentos entre as operações combinadas.

“A consolidação pode afetar contratos existentes e relações de fornecimento. Fornecedores e parceiros terão que se adaptar às novas diretrizes e demandas da entidade combinada, o que pode alterar as dinâmicas comerciais prévias”, apontou Canutto.

Já a transação será escrutinada por órgãos reguladores, como o Cade, que avaliarão o impacto sobre a concorrência no mercado. “A experiência anterior da Azul na aquisição da TwoFlex, que foi aprovada pelo Cade, mostra que o órgão tem critérios claros para garantir a manutenção da competitividade no setor”, lembrou o especialista.

Governança Corporativa

Embora a aquisição possa significar uma valorização dos papéis das empresas no curto a médio prazo, tendo em vista as potenciais sinergias e economias de escala, muito dependerá da execução eficaz da integração das operações e da gestão da dívida combinada da nova entidade.

“Lembramos ainda que Gol e Azul são empresas de capital aberto, suas operações financeiras, incluindo aquisições, estão sujeitas a regulamentações específicas que protegem os investidores, incluindo os direitos de tag along para acionistas minoritários, que assegura que, em caso de venda do controle da companhia, os acionistas minoritários possam vender suas ações pelo mesmo preço recebido pelos acionistas controladores”, alertou Fernando Canutto.

Numa operação de aquisição entre duas empresas de capital aberto, como a potencial compra da Gol pela Azul, a estrutura da operação pode ser cuidadosamente planejada para cumprir com as normas legais, mas também limitar o exercício do direito de tag along dos minoritários. Isso geralmente é feito para evitar a necessidade de o comprador adquirir uma grande quantidade de ações além da participação de controle, o que poderia significativamente aumentar o custo da aquisição.

Entretanto, qualquer tentativa de limitar os direitos dos acionistas minoritários deve ser feita dentro do estrito cumprimento da legislação vigente, como a Lei das Sociedades por Ações e as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Estas leis e regulamentos são projetados para proteger os interesses dos acionistas minoritários, garantindo-lhes um tratamento justo em tais transações.

Aspectos operacionais

Aspectos relevantes nas crises das empresas aéreas mundo afora são, por um lado, o aumento do custo de insumos, como o combustível de aviação, cujos preços, cotados em dólar, foram fortemente afetados pelas recentes guerras no leste europeu e oriente médio e, por outro lado, a falta de outros insumos, como as próprias aeronaves e recursos humanos.

“O crescimento da Gol abaixo do esperado, deve-se, dentre outros fatores, à falta de aeronaves. Essa limitação na capacidade de expansão de frota pode ser atribuída a vários fatores, incluindo atrasos na entrega de novas aeronaves e dificuldades em obter aeronaves adicionais no mercado de leasing. A pandemia de COVID-19 exacerbou esses desafios, afetando as cadeias de suprimentos globais e a produção de fabricantes de aeronaves, resultando em atrasos nas entregas”, explicou Canutto.

Para a Gol, essa escassez de aeronaves impacta diretamente sua capacidade de expandir rotas e aumentar frequências de voo, limitando seu potencial de crescimento de receita. Neste contexto, o advogado avalia que a possível aquisição pela Azul poderia ser uma estratégia para superar tais desafios, combinando recursos e otimizando a utilização de aeronaves. “Contudo, o sucesso dessa estratégia dependeria da capacidade de integração das operações das duas empresas e da gestão eficiente da frota combinada”, pondera.

Por outro lado, o mercado de trabalho para pilotos está atualmente aquecido. Este cenário é influenciado por vários fatores, incluindo a retomada das atividades aéreas pós-pandemia, que aumentou a demanda por viagens aéreas e, consequentemente, por pilotos qualificados. “As companhias aéreas, em resposta ao crescimento do tráfego de passageiros e à expansão de suas rotas, estão contratando mais pilotos para atender à demanda crescente. A potencial aquisição da Gol pela Azul pode ter um impacto adicional nesse mercado, possivelmente racionalizando a utilização de profissionais”, concluiu.

Artigo independente por Fernando Canutto, sócio do Godke Advogados. Especialista em Planejamento Estratégico Empresarial, Direito Societário, Governança Corporativa, Compliance e Investimento Estrangeiro.

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Carlos Ferreira
Carlos Ferreira
Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.

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