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Estreou nas telonas dos cinemas o filme ‘O sequestro do voo 375’, ocorrido com o 737 da VASP em 1988

O Boeing 737 realizando um tunneau durante o sequestro, em cena do filme ‘O sequestro do voo 375’

Como foi informado previamente no AEROIN, o maior sequestro de avião ocorrido no Brasil virou filme, e na última quinta-feira, 7 de dezembro, a produção ‘O sequestro do voo 375’ chegou às telonas dos cinemas pelo país.

Em 29 de setembro de 1988, o voo 375 da VASP era operado por um Boeing 737-300 de matrícula PP-SNT, levando passageiros do Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins (MG), para o Rio de Janeiro, quando, logo após a decolagem, o passageiro Raimundo Nonato decidiu sequestrar a aeronave, ordenando que o Comandante Murilo levasse o avião até Brasília.

Na capital federal, o sequestrador pretendia jogar o avião no Palácio do Planalto, onde estaria José Sarney, então Presidente do Brasil durante uma época de grave crise econômica. A motivação de Nonato seria um problema pessoal e desemprego, pelo qual culpava os políticos.

Em um ato heroico, o comandante fez um tunneau (giro completo sobre o próprio eixo, ficando a aeronave de cabeça para baixo e retornando à posição normal) para desvencilhar o sequestrador, que já tinha atirado no copiloto, mas não foi o suficiente para deter Nonato. Próximo de Goiânia, e ficando sem combustível, outra manobra foi feita, dessa vez uma descida em parafuso.

No solo em Goiânia, e após horas de negociações, a Polícia Federal baleou o sequestrador quando ele descia a escada com o comandante como refém, colocando fim ao sequestro, que deixou uma pessoa morta e 3 feridos.

Agora, com o filme já estreado nos cinemas, uma análise da produção foi feita por Ricardo Morgan, proprietário do canal “MorganSpotter” no YouTube, que compartilhou o texto com o AEROIN, conforme disponibilizado a seguir.

Ao final, veja como assistir ao trailer do filme.

Por: Ricardo Morgan

29 de setembro de 1988. Governo José Sarney pós morte de Tancredo Neves. Uma crise econômica estava devastando o Brasil. Inflação nas alturas que afetou a paciência e aguçou o nervosismo dos mais pobres. Raimundo Nonato Alves da Conceição, desempregado e armado com um revólver calibre 32, tomou uma medida extrema para vingar o sofrimento de sua família: sequestrar um avião e jogá-lo no Palácio do Planalto. O alvo: o Presidente José Sarney.

Parecia história de cinema até que resolveram contá-la nas telonas 35 anos depois. O filme ‘O sequestro do voo 375’, que estreou no último dia 7 de dezembro, se baseia nas ações desesperadas de Nonato e, também, é um retrato social e político do final dos anos 80 no Brasil. Além disso, o longa é uma grande homenagem à memória da aviação brasileira (e seus herois), sobretudo a saudosa Vasp, companhia aérea que deixou de operar em 2005 e teve sua falência decretada em 2008.

Antes de mais nada, é importante salientar que o longa é uma adaptação cinematográfica, ou seja, é uma obra de ficção baseada em fatos reais. Isso significa que detalhes da narrativa original podem ser alterados, por meio de ‘licença poética’, para se tornar mais acessível ou interessante para o consumo do público. Dois grandes exemplos são as mudanças das aeronaves mostradas no filme, o Boeing 737-200 e o caça F-5. Originalmente, os aviões foram o Boeing 737-300 (de matrícula PP-SNT) e o caça Mirage III.

Outro detalhe que se deve levar em consideração é o contexto de época muito bem estruturado pelo roteiro. Situações que hoje são absurdas de acontecer, como fumar a bordo do avião e a falta de segurança nos aeroportos (em Confins não havia equipamentos de raio-x e nem detectores de metais, por exemplo) e em voo (a porta do cockpit não era blindada), devem ser observadas sob os costumes e procedimentos da época.

A direção de Marcus Baldini, o mesmo cineasta de outras produções nacionais como ‘Bruna Surfistinha’, ‘Os Homens são de Marte… e é pra lá que eu vou’ e ‘O Homem Perfeito’, é assertiva quando se trata da dramatização dos fatos. Com a câmera sempre inquieta e enquadramentos mais fechados, Baldini consegue criar uma excelente atmosfera claustrofóbica de ação e suspense, principalmente nas cenas dentro da aeronave. A eficiência da tensão a bordo também se deve às performances convincentes do elenco, em especial dos atores Danilo Grangheia e Jorge Paz, que interpretam os personagens Comandante Fernando Murilo e Raimundo Nonato, respectivamente.

‘O Sequestro do voo 375’ também se destaca pela nostalgia minuciosamente trabalhada pela produção. Detalhes cenográficos como o resgate da marca Vasp e suas aplicações em diversos objetos em cena fazem a direção de arte se destacar. Inclusive, um Boeing 737-200 da Força Aérea Brasileira, que fica em exposição no Museu Aeroespacial (Musal), no Rio de Janeiro, ganhou plotagem especial com as cores da Vasp para aparecer no filme. Tudo isso é importante para a caracterização de época, o que traz verossimilhança para a narrativa.

Esses detalhes nostálgicos são alguns dos componentes que vão mexer com a memória afetiva de quem viveu e respirou a aviação nos anos 80 e 90. A forma como tudo é coreografado e mostrado também é um deleite para os entusiastas de plantão. Além das cores da Vasp, ouvimos por um breve momento a voz elegante de Íris Lettieri anunciando voos em Confins (famosa locutora que marcou a sonoridade de aeroportos no Brasil), aviões antigos e reais como o Electra da Varig fazendo parte do cenário e, claro, os diálogos fiéis sobre procedimentos presentes nos trabalhos dos aeroviários. Ver tudo isso representado em tela é uma baita homenagem à memória da aviação brasileira.

O roteiro escrito por Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque é quase documental e fiel ao acontecimento. Apesar de contar uma história que ocorreu há 35 anos, sua essência continua atual. Não tem como não se identificar com o sofrimento de Nonato e suas decisões simplórias. A culpa por todo o caos e desigualdade social sempre será dos políticos. Também é impossível deixar de ter o desejo que mais heróis como o comandante Fernando Murilo estejam presentes em nossas vidas. Às vezes, decisões extremas devem ser tomadas para o bem coletivo, mesmo que ele tenha que deixar todos de cabeça para baixo.

O filme é bom? Sim, cumpre o que promete, mas tem cara de produção feita para ser exibida na televisão devido às limitações orçamentárias e técnicas (os defeitos que poderiam passar despercebidos na telinha podem ser perceptíveis na telona), como, por exemplo, alguns momentos da falta de apuro dos efeitos especiais e nas locações que, para os mais atentos, podem não convencer tanto. No entanto, isso não diminui o propósito do filme, já que há mais pontos positivos que negativos.

O fato de o longa ir para o cinema, além das pretensões econômicas para ajudar a pagar o orçamento de R$ 7 milhões, obviamente, é para registrar um curioso fato histórico brasileiro nos grandes palcos, digo telas, da cultura pop. Como diz o ditado, ‘País que não tem história é um país sem memória’, o Brasil merece ter mais histórias contadas, merece ter mais heróis valorizados, merece ser um país melhor, nem que sofra um tunneau para que isso aconteça.

Para assistir ao trailer de ‘O sequestro do voo 375’, clique aqui.

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