Boeing 747 venezuelano ligado ao Irã foi detido na Argentina e pode não sair tão cedo

Foto: Conviasa / Emtrasur

A última segunda-feira, 6 de junho, foi um dia intenso nos céus argentinos, normalmente calmos. A densa neblina que cobria os aeroportos de Buenos Aires obrigou os operadores a irem para destinos alternativos. Uma dessas operadoras foi a Emtrasur Cargo, divisão de carga da transportadora de bandeira venezuelana Conviasa.

Como relembra o site argentino Aviacionline, a mais recente adição da empresa venezuelana no lado da carga aérea foi um Boeing 747-300M com matrícula YV-3531, que decolou de Querétaro, no México, no final de 5 de junho, transportando peças para uma fábrica de automóveis. Seu destino: aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires. Sua tripulação: voltaremos a isso mais tarde.

Devido às condições de neblina, a aeronave abandonou Ezeiza e pousou no aeroporto de Córdoba ao meio-dia de 6 de junho. Poucas horas depois, a aeronave saiu de Córdoba para completar sua viagem planejada e pousou em Ezeiza por volta das 15h. Além do desvio, nada de anormal havia acontecido até agora. Mas isso estava prestes a mudar rapidamente.

Mentes suspeitas

De acordo com várias fontes, um grupo de agências governamentais se aproximou do 747 quando pousou em Buenos Aires. Os rumores voam, e eles não são afetados pelo mau tempo: algo estava errado com aquele avião. Depois de despachar a carga – nada fora do comum ali – o foco ficou em três fatores: a aeronave, a tripulação e o vínculo especial que une Venezuela e Irã.

Através de canais informais, o Aviacionline soube que estavam faltando alguns nomes de ocupantes do jumbo no manifesto do voo. A maioria dos membros dessa tripulação era venezuelana e sete pertenciam ao Irã.

O avião

Este 747-300M foi incorporado pela iraniana Mahan Air em 2007. Em março de 2008, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA sancionou a Mahan Air por “fornecer apoio à Força Islâmica-Quds do Corpo da Guarda Revolucionária (IRGC-QF) do Irã”. De acordo com a agência, “a Mahan Air enviou agentes, armas, equipamentos e fundos do IRGC-QF para o exterior em apoio às operações regionais do grupo terrorista e também enviou armas e pessoal para o Hezbollah“.

“Desde o início da guerra civil síria”, continua a OFAC, “a Mahan Air tem enviado rotineiramente caças e material para a Síria para sustentar o regime de Assad, contribuindo para as atrocidades do regime e o deslocamento de civis”. Em dezembro de 2019, o Departamento de Estado designou a Mahan Air sob o EO 13382, uma autoridade de contra-proliferação visando proliferadores de armas de destruição em massa e seus apoiadores”.

O departamento do Tesouro não teve problemas em sancionar empresas em todo o mundo que forneceram suporte à Mahan Air: em agosto de 2020, a OFAC estabeleceu que Parthia Cargo e Delta Parts Supply FZC, com sede nos Emirados Árabes Unidos, ajudaram a companhia aérea fornecendo peças-chave e logística Serviços.

A conexão venezuelana

No início de 2022, a estatal Conviasa anunciou seus planos de expansão internacional e, para isso, preparava um aumento significativo da frota. Além das operações comerciais de passageiros, foi criada uma nova divisão de cargas: a Emtrasur Cargo. Sua primeira aeronave foi logo anunciada. Um Boeing 747-300M, anteriormente operado pela Mahan Air. O avião foi incorporado com a matrícula EP-MND e denominado “Luisa Cáceres de Arismendi”.

A transferência da aeronave não foi a primeira ligação entre as aviações da Venezuela e do Irã. O presidente da Conviasa e vice-ministro de Transporte Aéreo da Venezuela, Ramón Velázquez, disse em fevereiro passado que há três anos há voos de carga entre os dois países. Além disso, destacou que a rota de passageiros entre Caracas e Teerã é importante para a empresa, já que o Irã é considerado um país seguro e com grande capacidade turística.

Além do mais, a Conviasa ainda pretende incorporar dois Airbus A340-600 da Mahan Air ao longo deste ano – já recebeu um -, sendo muito provável que a tripulação iraniana que voou para Buenos Aires estava dando instruções aos venezuelanos. Embora isso não explicasse a ausência de alguns nomes no manifesto. Para alguns na Argentina, parece que há mais do que aparenta.

Perguntas sem respostas

Um parlamentar da oposição, Gerardo Milman, apresentou um procedimento formal de investigação para saber mais sobre a situação, citando “o comportamento enigmático do voo, a propriedade confusa da aeronave e a composição da tripulação”. O legislador também afirma que a aeronave voou o trecho Córdoba-Ezeiza com o transponder desligado. Para tudo isso ainda não há resposta e os fatos ainda estão sendo investigados.

Enquanto nada foi concluído quanto à investigação, a aeronave recebeu aprovação para voar e tentou sair de Buenos Aires em 8 de junho para o Uruguai, mas vinte minutos depois retornou ao aeroporto de Ezeiza por “motivos desconhecidos”, estando ainda estacionado no pátio do aeroporto.

O rastreamento do FlightRadar24 (abaixo), mostra a aeronave decolando e voltando.

Muitas fontes indicam que a tripulação não está detida, pois não havia nada de ilegal sobre eles ou a forma como entraram na Argentina, além de algumas “irregularidades administrativas” no manifesto. Eles podiam sair do país a hora que quisessem, em um voo regular, para o destino que quisessem. Mas o 747 sofre um destino diferente.

Diz-se que nenhuma empresa quer cuidar desse avião e fornecer combustível ou assistência para evitar que seja afetado pelas sanções dos EUA.

Se isso for comprovado, o antigo Boeing 747-300M da Mahan Air poderá ter um fim longo e cruel de sua vida operacional em Buenos Aires e ser engolido por uma névoa mais densa do que aquela que o avião encontrou quando chegou na Argentina.

Carlos Ferreira
Carlos Ferreira
Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.

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