ALTA faz sério alerta após Brasil mudar acordos válidos há décadas sobre visto para tripulantes de voo estrangeiros

Imagem: rayp808, via Depositphotos

Como abordado previamente no AEROIN, o Governo Lula decidiu aplicar uma medida de reciprocidade a três países – Estados Unidos, Canadá e Austrália, trazendo de volta a necessidade de vistos para seus cidadãos que venham ao Brasil, algo que havia sido retirado pelo Governo Bolsonaro.

Porém, como também mostrado pelo AEROIN na última quinta-feira, a forma como o decreto foi estabelecido afetou decretos anteriores, incluindo um de 1995 que previa isenção de vistos para tripulantes de voo.

Com isso, a volta da exigência de vistos para pilotos e comissários estrangeiros destes países está gerando um temor sobre o que acontecerá a partir do dia 10 de janeiro, quando o decreto começará a valer, pois tratamentos dados aos tripulantes, que são válidos há décadas para apoiar o desenvolvimento da aviação, cairão por terra.

Diante dessa preocupação, incluindo os enormes impactos que o setor já prevê para operações aéreas, tripulantes, passageiros, carga aérea e demais desdobramentos, a Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (ALTA) posiciona-se fazendo um alerta aos legisladores do Brasil.

Leia a seguir, integralmente, o conteúdo da Associação que representa a maior parte das empresas aéreas e de todo o setor aéreo da região.

“Para a Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo – ALTA, o debate sobre a exigência de visto para tripulantes é uma questão urgente que afeta diretamente o setor de aviação e, consequentemente, a economia brasileira.

Esta medida, que parece desconsiderar decretos já estabelecidos há mais de 70 anos, pode gerar sérios prejuízos não apenas para os brasileiros que querem viajar, mas também para a economia, especialmente no setor de exportações/cargas.

Qual a lógica em mexer em regras estabelecidas há tantos anos, que passou por todos os governos e que cumpre exatamente o que foi estabelecido e assinado pelo Brasil quando aderiu a OACI/UN (Organização de Aviação Civil Internacional, das Nações Unidas)?

Está na hora de pensar se o chamado de associações, como ALTA, IATA, JURCAIB e A4A, não é um alerta importante para o grave erro que o Brasil está prestes a cometer, prejudicando a sua própria população.

Dados da FERMAC Cargo mostram que atrasos nos transportes dos insumos devido a exigência de visto para tripulação podem impactar de maneira negativa no setor, afetando mais de 15 mil toneladas/ano, somente via FERMAC, que vão para EUA e Canada. Isto significa mais de 100 toneladas por dia. E tudo isso está acontecendo devido a uma base equivocada do princípio da reciprocidade que, antes, em 70 anos, sempre manteve os acordos da aviação e o respeito ao anexo 09 do protocolo de ICAO que trata sobre a facilitação a tripulantes.

Baseado em um estatuto que nunca foi aplicado a tripulações, o movimento do Itamaraty já está gerando incerteza em contratos de cargas e programação de voo para Brasil. E o grande prejudicado será, justamente, a população que deveria ser apoiada, em que não apenas a competitividade pode ser comprometida, como também a imagem de um dos países mais fortes da aviação no grupo I da ICAO e que deveria defender as suas regras.

Todas as associações estão deixando claro que a operação da aviação sofre especificidades que precisam ser ponderadas. Mencionam que 100% dos voos que vão e voltam para o Canadá partindo do Brasil, mais de 60% dos voos que vão e voltam dos Estados Unidos, assim como parte da equipe de um dos grandes hubs para os brasileiros na América Central (o Panamá), são com tripulação estrangeira.

Nesses voos, é possível observar que os passageiros são brasileiros com suas famílias. Prejudicar o movimento da tripulação é prejudicar o próprio povo que iria fazer uso do voo. Cancelamentos e atrasos serão esperados quando poderiam ser evitados. E é isso que se roga.

A exigência atingirá mais de 100 mil tripulantes apenas da American Airlines, Delta, United e Air Canadá, além do setor de logística, como a Fedex, UPS, DHL, Cargolux, Qatar Cargo, Emirates Cargo e várias outras, que hoje tem quase 100% da tripulação americana. Dados da ALTA indicam que hoje são operados 800 voos mensais de passageiros com tripulação norte-americana e 98 com tripulação canadense. Além disso, os voos de carga entre EUA-Brasil chegam a 271 por mês. Os números não mentem e não podem ser ignorados.

O CEO da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (ALTA), José Ricardo Botelho, destaca a importância de uma visão ampla sobre esta questão. Para Botelho, é fundamental que as autoridades brasileiras não sigam no sentido de exigir visto para tripulantes, e considerem não apenas o impacto imediato nos voos, mas também os efeitos a longo prazo na competitividade do Brasil no mercado global. A história sempre mostrou que o país estava na linha correta ao não embaraçar o processo de facilitação de tripulantes.

O princípio de reciprocidade não é, e não deve ser encarado de maneira absoluta. Por isso é muito utilizado para a proteção daquilo que uma nação acredita vá garantir segurança para seu povo. Mas não é o caso aqui, quando tal princípio é utilizado sem uma análise mínima com os demais envolvidos ou interessados no tema, como se faz em uma AIR (Análise de Impacto regulatório).

Aliás, essa é a razão pela qual a lei de processo administrativo Lei nº 9784/99 estabelece que a melhor política em casos assim deve ser procedimento com audiência pública e a decisão coordenada (com a modificação trazida pela lei n. 14. 210/21). Ou seja, é imprescindível que sejam chamados à mesa os interessados, a ANAC, a SAC, os Ministério da Justiça, de Aeroportos, de Turismo e – até mesmo pelos impactos econômicos negativos – o Ministério da Fazenda.

Tripulantes não são turistas. São trabalhadores essenciais para a indústria da aviação e, por conseguinte, para a economia nacional e para o bem-estar do povo brasileiro. O fato de que esses tripulantes vêm a trabalho, não para passear, não deve ser desconsiderado.

Pior ainda é que, sem qualquer culpa das companhias aéreas, a medida possa gerar cancelamentos e atrasos que depois serão cobrados nas milhões de ações judiciais que assolam o país. Mais custos serão gerados em um sistema que já foi duramente atingido pela pandemia.

Tripulantes em serviço dos Estados Unidos, Canadá e Austrália estavam isentos de visto desde o decreto de 1413/1995. A normativa está alinhada com a Convenção de Chicago, da qual o Brasil é signatário, que define regras para facilitar o transporte aéreo. Aliás, mesmo antes, outro decreto (32.040/1952) tinha o mesmo tom, confirmando que a tradição brasileira, há 70 anos, tem sido a mesma: isenção de visto e passaporte para tripulantes, em nome da facilitação do transporte aéreo.

Brasil, não é hora de retroceder. A aviação e seus tripulantes são fatores de desenvolvimento e devem ser encarados como uma estratégia de estado para mais conectividade, mais desenvolvimento, para melhores tarifas e muito mais. Quanto mais aviação houver neste país continental, maior será o bem-estar social.”

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

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