Filme ‘Queda Livre: A Tragédia do Caso Boeing’, do Netflix, é incompleto, mas necessário

Acaba de ser lançado na plataforma de streaming Netflix o documentário “Queda Livre: A Tragédia do Caso Boeing”. A equipe do AEROIN assistiu ao filme e concorda com a análise colocada pelos parceiros do site argentino Aviacionline, compartilhando-a na íntegra.

Talvez devêssemos começar com um grande alerta de spoiler: para nós, a história estava livre de spoilers já que temos lidado com o tema do Boeing 737 MAX desde a sua criação, incluindo o trágico subtópico de seus acidentes desde aquela terrível manhã de outubro de 2018.

A grande questão de “Queda Livre: A Tragédia do Caso Boeing” se revela em uma hora e meia, mas foi uma história sendo contada ao mundo, pouco a pouco, por mais de dois anos. O filme expõe cruamente como a Boeing começou a implodir muito antes da queda do Lion Air 610.

Onde começa

Tudo começa em 1997, quando a empresa compra a McDonnell Douglas e, com ela, absorve um conselho mais preocupado com o dinheiro do que com a cultura de segurança, que fez da Boeing o que ela era.

A partir daquele momento, a Boeing deixava de ser uma empresa de engenharia em que cada funcionário que apertava uma porca tinha a chance de dizer “temos um problema”, para um monstro corporativo que deixava os acionistas felizes porque sempre havia lucros e gordos dividendos.

Começava um tempo em que Departamentos de Qualidade começaram a ter medo porque as más notícias eram “pagas” com telegramas de demissão – nada muito diferente de outras tantas histórias do mundo corporativo.

O documentário de Rory Kennedy, o mesmo de “Last Days in Vietnam” explora “a catástrofe antes da catástrofe”: acidentes resultantes de uma empresa que cede aos seus instintos mais básicos. Capitalismo puro e duro. Custo sobre segurança.

Nesse sentido, “Queda Livre” é um trabalho que conta perfeitamente a história que quer contar e o faz bem. Isso permitirá que o público em geral identifique rapidamente o vilão: a cultura corporativa tóxica da Boeing.

Faltando ligações

A fabricante notamente é exposta em mensagens internas constrangedoras e fica claro que foi ainda mais responsável pelo segundo acidente do que o primeiro porque poderia ter tomado medidas para suspender a operação do MAX por segurança e não o fez, com “medo de perder dinheiro”

“Queda Livre” deixa de lado dois atores responsáveis ​​para se concentrar na culpa do principal. Quando fala sobre o acidente da Lion Air (JT-610), o filme omite a desastrosa cadeia de erros de manutenção que permitiram que aquele avião voasse. Apenas dois dias antes, o voo JT-043 havia sofrido uma falha semelhante, depois que quatro incidentes de falha do sensor de ângulo de ataque (AOA) levaram à substituição do dispositivo.

No entanto, após várias atualizações de manutenção, não se considerou necessário aprofundar a análise, nem alterar o Flight Control Computer e fazer um voo de teste. Foi declarado aeronavegável e carregado de passageiros para o JT-610 operar.

O documentário também pouco menciona a FAA e como ela estava relaxada em seu papel de autoridade aeronáutica e órgão regulador, permitindo que a Boeing autocertificasse seus produtos. Há uma enorme combinação de fatores técnicos e econômicos ao redor, mas embora a FAA seja vítima da ocultação sistemática da Boeing, fez muito para se deixar enganar.

Sem treinamento por causa do custo

O documentário argumenta, com razão, que, além das diferenças culturais ou do treinamento da tripulação, o erro fatal da Boeing é colocar os pilotos no comando do sistema MCAS, que eles não conheciam e esperasse que eles reagissem em um tempo impossível de menos de 10 segundos (tempo de identificar que o problema era no MCAS e o desativasse). A culpa não poderia recair sobre os pilotos, como a Boeing sugeriu, já que eles foram apresentados a uma situação em que a salvação dependia de um milagre.

Não há dúvidas sobre a responsabilidade da Boeing nos dois acidentes. Não é coincidência que todos os seus programas tenham falhas e desafios. Não é coincidência que a qualidade de seus produtos esteja em questão, e os controles de qualidade que decidiu destruir estão no centro do problema.

Resta saber se as mudanças recentes na diretoria, que reposicionaram o corpo técnico, são parte de um esforço real de resgate da cultura do fabricante ou se são uma simples tentativa de maquiagem, um curativo na ferida que sangra. A credibilidade está em cheque.

O filme apresenta o problema ao público e, ainda que de forma incompleta, mostra que a cultura da excelência nas grandes corporações pode ser uma forma de fazer as coisas ou um slogan cativante. Para reverter isso, faltam muitos anos de funcionamento impecável do 737 MAX.

A última pergunta é: por que será que a Boeing não quis participar do documentário, se ele foi baseado em fatos e documentos da própria Boeing?

Carlos Ferreira
Carlos Ferreira
Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.

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