Há 30 anos, um Boeing 747 acabou com o nariz na água por excesso de confiança dos pilotos

Em 12 de setembro de 1993, o Boeing 747-400, de registro F-GITA, da Air France, voando na rota Paris-Los Angeles-Taiti, se envolveu em um acidente evitável. A cadeia de acontecimentos que levou o avião a parar com o nariz na água é quase incrível. Agora, 30 anos depois, o acidente serve para tirar lições cruciais.

Conforme mostra a pesquisa do parceiro Aviacionline, replicada aqui, a aeronave, operando sob o voo número AFR-72, enfrentou problemas durante sua aproximação noturna para a pista 22 de Papeete, no Taiti, ainda que as condições meteorológicas fossem as melhores possíveis no momento do acidente.

O avião estava em aproximação, na configuração de pouso com o piloto automático desconectado e os aceleradores automáticos (auto-throttle) acionados. No ponto de decisão, o sistema de voo automático iniciou uma arremetida, por entender que a aproximação estava desestabilizada. 

A aeronave começou a acelerar, mas o piloto segurou fisicamente os aceleradores com a mão, contrariando o sistema de voo automático, e continuou a aproximação, chegando à pista com uma velocidade de 20 nós superior ao ideal de pouso.

Para piorar a situação, após o toque a alavanca de empuxo do motor #1 escorregou da mão do piloto sem que ele notasse e, comandada pelos sistemas de aceleração automática, que não haviam sido desacoplados, aumentou para empuxo total, enquanto os pilotos mantinham os outros motores em posição de frenagem. 

A assimetria de empuxo gerada com múltiplos motores em empuxo reverso e um motor em empuxo de decolagem para frente fez com que o avião virasse para a direita e saísse da pista pelo lado direito, próximo ao final da pista, parando em um lagoa adjacente à pista. 

Todos os passageiros foram evacuados com sucesso, com apenas quatro ferimentos leves, resultando num acidente totalmente evitável.

A investigação

As conclusões do relatório do acidente concentram-se no erro do piloto, especificamente na continuação de uma abordagem não estabilizada. As conclusões completas estão disponíveis no seguinte link do BEA Findings.

A causa provável do acidente foi determinada pelo BEA como sendo a continuação de uma aproximação não estabilizada e aplicação de empuxo de arremetida ao motor número um durante o pouso. 

Isso resultou do sistema de voo automático ou automação comandando uma arremetida no ponto de aproximação perdida. Como o piloto “desafiou” os sistemas, isso resultou em um longo pouso em velocidade excessiva e em uma trajetória que puxou o avião para a direita da linha central e, posteriormente, para fora do lado direito da pista.

A não observância dos procedimentos operacionais adequados em relação aos callouts durante a aproximação e no pouso, bem como a falta de comunicação entre os pilotos, contribuíram muito para o acidente. Especificamente, desvios dos parâmetros normais (ou seja, velocidade e trajetória de aproximação) deveriam ter levado ao início de uma arremetida.

Durante os momentos críticos de aproximação e aterrissagem, houve uma notável falta de foco nos instrumentos que eram vitais na identificação de anomalias em desenvolvimento. A tripulação baseou-se sobretudo em referências visuais externas, negligenciando a necessária monitorização dos instrumentos de bordo, que teriam indicado o aumento da potência e o desvio da velocidade de aproximação.

A análise sugere também que um ambiente descontraído, possivelmente encorajado pela autorização de aterragem antecipada e uma visão clara da pista, poderia ter contribuído para a complacência, reduzindo o nível de alerta necessário durante a fase de aproximação.

Tudo isso foi ainda agravado pela potencial fadiga e excesso de confiança decorrentes da experiência do comandante, que ofuscou a necessidade de aderir aos protocolos de segurança.

Lições aprendidas

O acidente enfatizou como é vital enfatizar a adesão estrita aos protocolos e manter linhas de comunicação abertas. As tripulações devem estar preparadas para executar uma manobra de retorno em qualquer fase da aproximação caso surjam anomalias. 

A formação contínua e a ênfase nos protocolos de segurança são essenciais para mitigar o risco de ocorrência de eventos semelhantes no futuro.

Este incidente serviu como um lembrete dos múltiplos fatores que influenciam os processos de tomada de decisão e os resultados das operações de voo, destacando a necessidade de vigilância e prontidão para se adaptar às novas circunstâncias para salvaguardar as operações de voo. Muitos detalhes da investigação e das lições aprendidas podem ser verificados no site da FAA, neste link.

Carlos Ferreira
Carlos Ferreira
Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.

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