Pesquisa no Brasil descobre enzima que produz moléculas precursoras para combustíveis de aviação

Imagem: Scharfsinn, via Depositphotos

Um estudo de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), publicado no periódico da Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), revela a descoberta de uma nova enzima promissora para o uso em processos para substituir o petróleo por matérias-primas de origem vegetal na fabricação de biocombustíveis sustentáveis para o transporte de longa distância (aviação, marítimo e terrestre), e para a síntese de bioplásticos, biopolímeros, bioresinas e biossolventes.

A enzima “OleTPRN” é capaz de converter ácidos graxos em alcenos (olefinas), um importante intermediário químico que corresponde a aproximadamente 70% do setor de petroquímicos, com potencial impacto em diferentes áreas industriais como alimentícia, cosmética e farmacêutica.

A enzima identificada pelos pesquisadores do CNPEM, organização supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), abre um leque de oportunidades pela sua compatibilidade com microrganismos industrialmente relevantes e por possibilitar o uso de uma ampla faixa de matérias-primas, como aquelas ricas em ácido oleico, um dos mais abundantes ácidos graxos da natureza.

Segundo o Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), um dos quatro Laboratórios Nacionais do CNPEM, vale ressaltar que essa descoberta representa um novo paradigma na produção biológica de hidrocarbonetos, pois os sistemas enzimáticos existentes são inibidos pelo ácido oleico, além de requererem condições funcionais não compatíveis com os microrganismos tipicamente utilizados em biotecnologia industrial.

“Nesse trabalho, empregamos uma abordagem interdisciplinar desde o estudo genômico de bactérias produtoras de hidrocarbonetos até abordagens em nível atômico, utilizando síncrotron e supercomputadores brasileiros para elucidar um novo mecanismo biocatalítico para produção de hidrocarbonetos de diferentes tamanhos de cadeia, uma das maiores classes de moléculas precursoras para biocombustíveis e químicos”, destacou Letícia Zanphorlin, coordenadora da pesquisa.

Desafio “Drop in” para a aviação

A enzima “OleTPRN” descoberta no CNPEM se mostrou promissora para o desenvolvimento de biocombustíveis e bioprodutos “drop-in”, como são chamados aqueles que apresentam composições químicas e características físicas semelhantes aos dos derivados de petróleo, podendo ser utilizados diretamente, sem exigir a adaptação das máquinas e da infraestrutura existente.

A pesquisadora explicou que um dos grandes desafios para a produção de combustíveis drop-in para a aviação é a oxigenação, mas esse aspecto não é problema na recente descoberta.

“Esse setor requer moléculas não-oxigenadas na constituição do combustível. Por isso que os biocombustíveis que temos hoje, como o etanol e o biodiesel, não podem ser utilizados para a aviação, por exemplo. A enzima descoberta pelo CNPEM é capaz de desoxigenar matérias-primas por meio de uma reação de descarboxilação, produzindo hidrocarbonetos, o que contribuiria para solucionar esse problema”, completou a pesquisadora.

Sirius e Santos Dumont

Para entender o funcionamento desta nova enzima foi necessário combinar a luz síncrotron de última geração produzida no acelerador de partículas Sirius, no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas (SP), e o supercomputador Santos Dumont, no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis (RJ).

Pela combinação desses estudos foi possível explicar a base molecular da reação de descarboxilação de ácidos graxos para a formação de hidrocarbonetos.

Próximos passos

A expectativa é que a nova enzima possa ser usada em larga escala em processos industriais, e para a engenharia metabólica de cepas microbianas para a produção de hidrocarbonetos por processos fermentativos, contribuindo na transição para uma economia de baixo carbono.

O trabalho de pesquisadores do CNPEM prossegue no desenvolvimento de processos biológicos para a produção de hidrocarbonetos a partir do uso de biomassa lignocelulósicas e oleaginosas. Outros estudos, já em andamento, devem, em breve, trazer avaliações de sustentabilidade e viabilidade dessas rotas biológicas.

Apoios e parcerias

O artigo recém-publicado na PNAS também contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e uso de recursos do LNCC.

O trabalho foi financiado com recursos do CNPEM e do Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e já tornou possível registros de patentes de interesse da indústria.

O CNPEM tem firmado diversos acordos de cooperação com empresas multinacionais do setor de energia para desenvolvimento de soluções biotecnológicas que permitam dar maior escalabilidade à produção de hidrocarbonetos a partir de fontes renováveis.

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

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