Assim como o primeiro filme, a história “Top Gun: Maverick” é baseada numa missão real e decisiva para o seu contexto. Importante notar que essa matéria contém vários spoilers, então, se não viu nenhum dos dois filmes de Tom Cruise, recomenda-se voltar aqui após vê-los.
O primeiro filme, que estreou em 1986, mostra um confronto no Oceano Índico entre os caças F-14 Tomcat e os MiG-28 (que na realidade eram F-5 Tiger). Mas aquilo que poderia ser interpretado apenas “propaganda americana inventada” era uma missão real, que teria ocorrido em outro mar, o Mediterrâneo.
O caso real que inspirou a história aconteceu em 1981 ficou conhecido como “Incidente do Golfo de Sidra”. Este golfo tem águas internacionais, já que o limite de fronteiras de cada país ia a apenas até 3 milhas náuticas (5,6 km) na época, tendo sido aumentado para 12 milhas náuticas (22 km) no ano seguinte, em 1982, como mostra o mapa abaixo elaborado pela Marinha Americana (USN).
De qualquer maneira, a Líbia não controlava por direito todo o Golfo de Sidra, mas Muammar Gaddafi discordava e traçou uma linha entre Bengazi e Misrata, afirmando que qualquer veículo estrangeiro que entrasse ali seria considerado hostil, mesmo barcos civis.
No primeiro filme
A fim de garantir o livre comércio na região e não deixar Gaddafi expandir seu poder, os EUA ordenaram que uma Força Tarefa da Marinha fosse montada, afim de assegurar o livre trânsito nas águas internacionais do Golfo.
Durante esse tempo vários aviões americanos, principalmente os F-14 Tomcat, voaram na região, resultando em várias “interações” com pilotos líbios, mas nada grave, em tom bem similar ao ocorre em tempos recentes, com caças ocidentais escoltando bombardeiros russos no Atlântico Norte.
Inclusive, uma foto foi tirada de um F-14 sobre os Sukhoi Su-22 Fitter líbios que ali estavam, o que inspirou a famosa cena do primeiro Top Gun, onde um caça fica invertido em cima do inimigo e Maverick tira uma foto. Porém, dias depois, outros Su-22 decolaram rumo à frota americana e foram repelidos por caças F-14, marcando um placar de “2 a 0” para os americanos. O mesmo incidente se repetiu em 1989, com mais dois MiG-23 Flogger abatidos por F-14 dos EUA.
O evento de 1981 inspirou “Top Gun: Ases Indomáveis” e também serviu de cenário para “Águias de Aço”. O último, no entanto, usou caças F-16 de Israel e falava que a Força Aérea, não a Marinha, realizou a missão.
O 2º filme misturou
Já em “Top Gun: Maverick”, a história é diferente: os pilotos, já formados na escola Top Gun, precisam retornar à Miramar (que na realidade seria em Fallon, já que a base foi transferida para os Fuzileiros) e treinar para destruírem uma usina de enriquecimento de urânio.
A missão não é fácil, já que a usina fica no meio de várias montanhas, cercadas de sistemas antiaéreos e guardadas por caças Sukhoi Su-57 Felon de 5ª geração. Voando baixo e fazendo manobras difíceis, Maverick e seu time conseguem cumprir a missão.
Tirando a parte do local isolado para uma usina e que hoje em dia um caça EA-18G Growler cuidaria dos sistemas antiaéreos, abrindo o caminho, a missão é bem próxima do que aconteceu no Iraque em 1981, mesmo ano do “Incidente do Golfo de Sidra”.
Batizada de “Operação Ópera”, a missão feita pelos israelenses consistia em decolar com caças F-16A Netz e F-15 Baz até a Usina Nuclear de Tuwaitha, próxima de Bagdá.
Na época, Irã e Iraque estavam se enfrentando numa feroz guerra, e Saddam Hussein investia pesado no programa nuclear, tendo comprado um reator da França. Mesmo com uma sabotagem, o reator foi entregue e os iraquianos estavam colocando em operação.
Temendo um ataque nuclear ao próprio país, os israelenses decidiram agir e enviaram os caças Netz para lançar bombas no reator e os Baz para escolta aérea. A rota se deu pelo sul pelo Golfo de Aqaba, tendo inclusive sobrevoado o barco do príncipe da Jordânia, que viu os caças e tentou alertar o aliado Iraque, sem sucesso.
Das 16 bombas lançadas, 14 acertaram ao alvo. Além do reator destruído, 11 pessoas morreram, sendo um civil francês a serviço e dez soldados iraquianos. Os aviadores de Israel entraram e saíram do Iraque sem nenhuma dificuldade, mantendo o voo rasante apenas na entrada. Na época, a repercussão internacional foi negativa, mas o Iraque não conseguiu reagir e nem entrou em combate aéreo com Israel.
Ironicamente, o filme dos dias de hoje mostra um país montanhoso, com caças F-14, e com atual capacidade nuclear, trazendo características muito mais próximas do Irã do que do Iraque. Outro ponto é que a missão foi lançada do mar, sendo muito mais fácil pensar que o alvo teria sido uma base iraniana.
Uma curiosidade trágica é que um dos pilotos que estavam na missão voando um dos F-16, Ilan Ramon, acabou falecendo anos depois, já que virou astronauta e estava a bordo do Ônibus Espacial Columbia, que explodiu na reentrada em 2003, matando todos a bordo. Em uma coincidência não intencional, Maverick, no início do filme, vai até quase o espaço e seu avião se desintegra, mas ele sobrevive.
De qualquer maneira, a história se repete, e o sucesso de Top Gun também, abrindo a pergunta para um possível terceiro filme: qual história real de aviação militar poderia ser retratada na telona?