Em 1971, a jovem Juliane Koepcke (hoje Juliane Diller), de 17 anos, viveu a maior aventura da sua vida. Após ser a única sobrevivente de um acidente aéreo que matou seus pais, a adolescente ainda precisou passar vários dias totalmente sozinha na floresta amazônica no Peru. Agora, próximo ao aniversário de 50 anos da tragédia, Juliane quebrou o silêncio sobre a história.
Juliane nasceu em Lima, Peru, em 1954, filha de dois zoólogos alemães que trabalhavam no Museu de História Natural de Lima. Na véspera de natal de 1971, por volta do meio dia, ela embarcou com os pais no voo 508 da LANSA (Lineas Aéreas Nacionales Sociedad Anonima).
Era um trajeto curto, de menos de uma hora, entre as cidades de Lima e Pucallpa, ambas no Peru, com descida em Iquitos. No trajeto, uma forte tempestade atingiu o turboélice Lockheed L-188A Electra, com 86 passageiros e seis tripulantes a bordo. Em meio a uma forte turbulência, de repente ela se viu numa aeronave em queda vertical.
“O avião se separou de mim”
A entrevista ao jornal americano New York Times, há cerca de um mês, foi uma das poucas vezes que Juliane falou sobre o assunto. A primeira havia sido em 1998, quando o diretor de cinema alemão, Werner Herzog, a convenceu a participar de um documentário para a televisão. Herzog disse que, por pouco, não embarcara no mesmo voo que ela, e a convidou a retornar para o local da tragédia.
Ela conta que lembra quando sentiu o avião tremer e vários presentes de natal caírem dos bagageiros. Também se recorda de sua mãe, logo ao lado, dizer que tudo ficaria bem. Do lugar onde ela estava sentada, a adolescente se lembra de ter visto quando um raio atingiu a asa direita do avião em meio a uma severa turbulência.
Suas últimas lembranças incluem a aeronave mergulhando de nariz e sua mãe dizendo, calmamente, apesar da situação: “Agora, está tudo acabado”. O que veio depois, são memórias esparsas de pessoas chorando e gritando, seguido de um grande silêncio. A aeronave havia se partido, e ela foi separada de todos os outros a bordo. “A próxima coisa que eu sabia é que não estava mais dentro do avião”, conta. “Eu estava lá fora, ao ar livre. Eu não tinha saído do avião; o avião havia me deixado”.
Caindo do céu
Juliane caiu uma altura estimada em 3 mil metros sobre as árvores da floresta amazônica peruana. Ela se lembra de acordar ao som de pássaros, com o vestido rasgado, dores no corpo, ainda presa ao assento de três lugares. Acredita-se que a folhagem densa da floresta fechada somada à poltrona amorteceram a queda.
Ela conta que demorou muito até se dar conta do que tinha acontecido. “Fiquei ali, na poltrona, encolhida como um feto pelo resto do dia e uma noite inteira, até a manhã seguinte”, escreveu ela em suas memórias, When I Fell From the Sky, inédito no Brasil. “Quando dei por mim, estava completamente encharcada e coberta de lama e sujeira, pois deve ter chovido torrencialmente por um dia e uma noite. ”
Sua primeira percepção foi quando ouviu o canto dos pássaros, o coaxar das rãs e o zumbido dos insetos. “Reconheci os sons da vida selvagem da floresta e percebi que estava na selva e havia sobrevivido ao acidente”. Milagrosamente, os ferimentos do seu corpo foram relativamente leves. Uma clavícula quebrada, um joelho torcido e cortes no ombro direito e na panturrilha esquerda, um olho inchado e fechado e seu campo de visão no outro reduzido a uma pequena fenda. Para ela, o mais insuportável entre os desconfortos era o desaparecimento de seus óculos, já que era míope.
Juliane também percebeu que, durante a queda, não havia soltado o pacote de doces que comia no voo. Aqueles seriam os únicos alimentos que a manteriam viva nos dias que se seguiram, já que não havia frutas ou outras opções acessíveis. Em meio a chuva inclemente do verão peruano, e ameaçada por onças, jacarés, aranhas e cobras venenosas, a jovem resolveu andar a procura de ajuda.
Na selva
Apesar da situação dramática, a selva não era uma novidade absoluta para Juliane, que havia nascido e crescido na região, apesar de nunca ter estudado nenhuma técnica de sobrevivência. Quando encontrou um rio, sabia que em uma das margens, em algum lugar, deveria haver presença humana. Então, ela desceu o fluxo de água e, por 11 dias, andou, correu e nadou até ser resgatada por madeireiros e levada a um hospital.
Ela ainda teve forças para ajudar a equipe de resgate com orientações sobre do acidente. Infelizmente, ninguém além dela havia sobrevivido. Foram 91 mortes. “A selva me pegou e me salvou”, repete ela a todo momento.
Depois do acidente, Juliane foi morar com os avós na Alemanha. Obteve um doutorado em biologia e tornou-se uma zoóloga respeitada, assim como os pais. Em 1989, ela se casou com Erich Diller, um entomologista e autoridade em vespas parasitas, algo que ela conheceu bem na sua trajetória pela selva.
“Em minha caminhada solitária de 11 dias de volta à civilização, fiz uma promessa a mim mesmo: jurei que, se continuasse viva, dedicaria minha vida a uma causa significativa que servisse à natureza e à humanidade”.
No ano 2000, ela voltou a morar no Peru e assumiu a direção da Estação de Pesquisa Biológica de Panguaná, mesmo local onde o pai trabalhou por anos e no meio floresta que lhe salvou a vida e, até hoje, é uma das mais respeitadas cientistas e ambientalistas do Peru, lutando pela preservação da floresta amazônica.